O governo encaminhou em agosto de 2009
ao Congresso o novo estatuto do índio, que prevê o fim da tutela do Estado
sobre os povos indígenas e regulamenta a exploração mineral em suas terras,
hoje proibida por falta de legislação. Pelo projeto, os índios poderão ser
responsabilizados penalmente por qualquer crime, como os demais cidadãos. Um
laudo antropológico irá embasar a decisão do juiz, que vai avaliar se o ato
cometido pelo indígena é aceitável e está no contexto de sua comunidade.
"[Com o estatuto] outorgamos a plena capacidade civil, responsabilidades,
sem agredir a sua origem cultural e os direitos territoriais", disse na época o então
ministro Tarso Genro (Justiça).
Quanto à mineração em terras indígenas,
já tramitava na Câmara um projeto de lei com basicamente o mesmo conteúdo do
estatuto. A atividade deverá ser autorizada pelos próprios índios, que vão
receber parte do faturamento bruto com o comércio do produto explorado. É na
Amazônia que a regulamentação terá mais impacto, já que 25% dos minerais da
região estão em terras indígenas.
DENOMINAÇÃO - Os habitantes das Américas
foram chamados de índios pelos europeus que aqui chegaram. Uma denominação genérica,
provocada pela primeira impressão que eles tiveram de haverem chegado às
Índias. Mesmo depois de descobrir que não estavam na Ásia, e sim em um
continente até então desconhecido, os europeus continuaram a chamá-los assim,
ignorando propositalmente as diferenças lingüístico-culturais. Era mais fácil
tornar os nativos todos iguais, tratá-los de forma homogênea, já que o objetivo
era um só: o domínio político, econômico e religioso.
As populações indígenas são vistas pela
sociedade brasileira ora de forma preconceituosa, ora de forma idealizada. O
preconceito parte daquele que convive diretamente com os índios: as populações
rurais. Dominadas política, ideológica e economicamente por elites municipais
com fortes interesses nas terras dos índios e em seus recursos ambientais, tais
como madeira e minérios, muitas vezes as populações rurais necessitam disputar
as escassas oportunidades de sobrevivência em sua região com membros de
sociedades indígenas que aí vivem. Por isso, utilizam estereótipos, chamando-os
de "ladrões", "traiçoeiros", "preguiçosos" e
"beberrões", enfim, de tudo que possa desqualificá-los. Procuram
justificar, desta forma, todo tipo de ação contra os índios e a invasão de seus
territórios.
CRENÇAS - Já a população urbana, que
vive distanciada das áreas indígenas, tende a ter deles uma imagem favorável,
embora os veja como algo muito remoto. Os índios são considerados a partir de
um conjunto de imagens e crenças amplamente disseminadas pelo senso comum: eles
são os donos da terra e seus primeiros habitantes, aqueles que sabem conviver
com a natureza sem depredá-la. São também vistos como parte do passado e,
portanto, como estando em processo de desaparecimento, muito embora, como
provam os dados, nas três últimas décadas tenha se constatado o crescimento da
população indígena.
Só recentemente os diferentes segmentos
da sociedade brasileira estão se conscientizando de que os índios são seus
contemporâneos. Eles vivem no mesmo país, participam da elaboração de leis,
elegem candidatos e compartilham problemas semelhantes, como as conseqüências
da poluição ambiental e das diretrizes e ações do governo nas áreas da
política, economia, saúde, educação e administração pública em geral. Hoje, há
um movimento de busca de informações atualizadas e confiáveis sobre os índios,
um interesse em saber, afinal, quem são eles.
TRANSFORMAÇÃO - Qualquer grupo social
humano elabora e constitui um universo completo de conhecimentos integrados,
com fortes ligações com o meio em que vive e se desenvolve. Entendendo cultura
como o conjunto de respostas que uma determinada sociedade humana dá às
experiências por ela vividas e aos desafios que encontra ao longo do tempo,
percebe-se o quanto as diferentes culturas são dinâmicas e estão em contínuo
processo de transformação. O Brasil possui uma imensa diversidade étnica e
lingüística, estando entre as maiores do mundo. São 215 sociedades indígenas,
mais cerca de 55 grupos de índios isolados, sobre os quais ainda não há
informações objetivas. 180 línguas, pelo menos, são faladas pelos membros
destas sociedades, as quais pertencem a mais de 30 famílias lingüísticas
diferentes.
No entanto, é importante frisar que as
variadas culturas das sociedades indígenas modificam-se constantemente e
reelaboram-se com o passar do tempo, como a cultura de qualquer outra sociedade
humana. E é preciso considerar que isto aconteceria mesmo que não houvesse
ocorrido o contato com as sociedades de origem européia e africana. No que diz
respeito à identidade étnica, as mudanças ocorridas em várias sociedades
indígenas, como o fato de falarem português, vestirem roupas iguais às dos
outros membros da sociedade nacional com que estão em contato, utilizarem
modernas tecnologias (como câmeras de vídeo, máquinas fotográficas e aparelhos
de fax), não fazem com que percam sua identidade étnica e deixem de ser
indígenas.
A diversidade cultural pode ser enfocada
tanto sob o ponto de vista das diferenças existentes entre as sociedades
indígenas e as não-indígenas, quanto sob o ponto de vista das diferenças entre
as muitas sociedades indígenas que vivem no Brasil. Mas está sempre relacionada
ao contato entre realidades socioculturais diferentes e à necessidade de
convívio entre elas, especialmente num país pluriétnico, como é o caso do
Brasil. É necessário reconhecer e valorizar a identidade étnica específica de
cada uma das sociedades indígenas em particular, compreender suas línguas e
suas formas tradicionais de organização social, de ocupação da terra e de uso
dos recursos naturais. Isto significa o respeito pelos direitos coletivos
especiais de cada uma delas e a busca do convívio pacífico, por meio de um
intercâmbio cultural, com as diferentes etnias.
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