08 abril 2019

Revisando o índio brasileiro (1)




O índio tem ocupado um espaço minúsculo em nossa historiografia, deixando ao esquecimento. Mas o índio tem uma história, plural. É preciso reconstruir o verdadeiro cenário desconstruindo abordagens simplistas que eurocentrizaram as análises, configurando o índio num ambiente social exótico e primitivo.



A história do índio brasileiro permanece adormecida. O que se mostra nas escolas, principalmente no ensino fundamental, são apresentações distorcidas. O conceito de sincretismo deve ser revisto, afastando as possibilidades de folclorização da cultura indígena. Reduzir a contribuição da cultura indígena a sua herança (vocabulário, comida, etc), tal como vemos nos livros didáticos, é empobrecer a sua história. Reescrever a História Indígena é, antes de tudo, modificar os discursos que durante tanto tempo representaram os nossos nativos como os mais nocivos e pejorativos adjetivos. É preciso apontar perspectiva mais seguras de compreensão do universo histórico e cultural do índio.

 


DIVIDIDOS - Historiadores afirmam que antes da chegada dos europeus à América havia aproximadamente 100 milhões de índios no continente. Só em território brasileiro, esse número chegava 5 milhões de nativos, aproximadamente. Esses índios brasileiros estavam divididos em tribos, de acordo com o tronco lingüístico ao qual pertenciam: tupi-guaranis (região do litoral), macro-jê ou tapuias (região do Planalto Central), aruaques (Amazônia) e caraíbas (Amazônia). Atualmente calcula-se que apenas 400 mil índios ocupam o território brasileiro, principalmente em reservas indígenas demarcadas e protegidas pelo governo. São cerca de 200 etnias indígenas e 170 línguas. Porém, muitas delas não vivem mais como antes da chegada dos portugueses. O contato com o homem branco fez com que muitas tribos perdessem sua identidade cultural.



Em 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil, estima-se que havia por aqui cerca de 6 milhões de índios. Passados os tempos de matança, escravismo e catequização forçada. Nos anos 50, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, a população indígena brasileira estava entre 68 mil e 100 mil habitantes. Hoje o número é bem menor. Contando os que vivem em centros urbanos, ultrapassam os 100 mil. No total, quase 10% do território nacional, pertence aos índios. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia em torno de 1.300 línguas indígenas. Atualmente existem apenas 150. O pior é que cerca de 35% dos 210 povos com culturas diferentes têm menos de 200 pessoas.

 


Em seu estudo intitulado Colonialismo Predatório, Desempoderamento, o professor da Faculdade Dois de Julho, Derval Gramacho escreveu: “Ainda no primeiro quarto dos anos 1500, os índios passaram de simpática gente, conforme descrito nos primeiros relatos históricos, notadamente na carta de Pero Vaz de Caminha (1500), a terríveis canibais, antropófagos vorazes, vide, por exemplo, as narrativas de Hans Staden e Jean de Lery. Com isto, pode-se supor, os portugueses pretendiam forçar o afastamento de seus concorrentes na ocupação da nova colônia. Por outro lado, também justificavam a disposição de intervir, juntamente com a Igreja (na plenitude da vigência da Inquisição), na colonização e catequese dos índios que precisavam tornar-se cristãos, quer pelo poder do convencimento da cruz (a Igreja), quer pelo poder das armas (a Coroa). Uma vez submetidos à nova fé, a relação de subordinação deveria se processar de forma menos resistente, mantendo o colonizador a sua supremacia hegemônica” (...) Constata-se, então, que a usurpação do território lesou, não somente no sentido material, o índio com a desapropriação daquilo que lhe era tão caro (a terra) que valia morrer em defesa de seu sítio. Mesmo que fosse de sua natureza ser nômade, haveria sempre uma terra que seria ocupada e na qual se situariam por determinado espaço de tempo. No plano afetivo, o índio também perdeu, pela desapropriação, o lugar onde suas práticas rituais, seus costumes e sua tradição se instalaram, onde construíram relações quer sociais, quer de parentesco”.



NATUREZA - Os índios faziam objetos utilizando as matérias-primas da natureza. Vale lembrar que índio respeita muito o meio ambiente, retirando dele somente o necessário para a sua sobrevivência. Entre os indígenas não há classes sociais como a do homem branco. Todos têm os mesmo direitos e recebem o mesmo tratamento. A terra, por exemplo, pertence a todos e quando um índio caça, costuma dividir com os habitantes de sua tribo. Apenas os instrumentos de trabalho (machado, arcos, flechas, arpões) são de propriedade individual.



O trabalho na tribo é realizado por todos, porém possui uma divisão por sexo e idade. As mulheres são responsáveis pela comida, crianças, colheita e plantio. Já os homens da tribo ficam encarregados do trabalho mais pesado: caça, pesca, guerra e derrubada das árvores quando necessárias.

 


A visão que o europeu tinha a respeito dos índios era eurocêntrica. Os portugueses achavam-se superiores aos indígenas e, portanto, deveriam dominá-los e colocá-los ao seu serviço. A cultura indígena era considerada pelo europeu como sendo inferior e grosseira. Dentro desta visão, acreditava que sua função era convertê-los ao cristianismo e fazer os índios seguirem a cultura europeia. Foi assim, que aos poucos, os índios foram perdendo sua cultura e também sua identidade.



ATUANTE - A historiografia costuma mostrar os índios como coadjuvantes incômodos, personagens secundários, selvagens infelizes e retraídos. Mas os índios tiveram um papel muito mais atuante e diferenciado do que se supõe, interagindo com os demais agentes sociais de diversas formas que vão da fuga ao ataque, da negociação ao conflito, da acomodação à rebeldia.

 


A quase totalidade dos índios do Nordeste foram contactados e passaram por experiências de aldeamento durante o período colonial. Sob a tutela dos jesuítas e de outras ordens religiosas como os beneditinos, os capuchinhos, os carmelitas e os franciscanos, os aldeamentos missionários totalizavam perto de uma centena em meados do século XVIII. O avanço da pecuária e da cultura do algodão e o assentamento de fronteiras no sertão foram devastadores para as populações indígenas. O índio brasileiro e baiano precisa ser reconhecido pelo seu próprio povo: o povo brasileiro.



A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) celebra 2019 como o Ano Internacional das Línguas Indígenas.  O objetivo é chamar a atenção para a importância dessas línguas para a riqueza cultural global. Há no Brasil, atualmente, cerca de 170 línguas indígenas “vivas”. E só no Amazonas, onde se concentra o maior número de etnias, há aproximadamente 53, que podem variar para mais ou para menos de acordo com a identificação de dialetos.

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