17 novembro 2010

Mário Gusmão

Ator, dançarino e coreógrafo. Mário Gusmão nasceu em Cachoeira, em 20 de janeiro de 1928. Funcionário por 23 anos da Penitenciária Lemos Brito, seu espírito artístico o levou à Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, onde se diplomou em dezembro de 1960. Desde então, dedicou-se inteiramente à cultura. Nos anos 50 ele teve a “ousadia”, diante do racismo da época, de se matricular em um teste para a Escola de Teatro da UFBA, dirigido por Eros Martim Gonçalves. No teste de aptidão, além de representar, o então candidato dançava. Resultado: foi aprovado com nove notas 10 e uma nota 9, ganhando méritos imediatos para ingressar já no terceiro ano da Escola de Dança. Formado pela segunda turma da Escola de Teatro da UFBA foi o primeiro negro formado por essa instituição.


Logo, Mário Gusmão partiu para representar no teatro e, dos palcos, pulou para o cinema e depois, a tevê. Seu primeiro filme para o cinema foi O Caipora, de Oscar Santana, trabalhando depois em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e Idade da Terra, ambos de Glauber Rocha, Palafitas, Bahia Fantástica, Pindorama, Rebelião dos Brutos (filme italiano), Vai à Luta, Anjo Negro (onde foi o principal personagem), Madame Satã, D. Flor e seus Dois Maridos, Jubiabá (co-produção franco-brasileira) e outros. Dos 16 filmes que fez, foi elogiado por diretores como Arnaldo Jabor, pelo antológico Pindorama, premiado no Festival de Cannes. Na lista dos ilustres que costumava escalar Gusmão para seu elenco, estão Walter Lima Júnior, em Chico Rei, Nélson Pereira dos Santos, em Jubiabá. Conta-se que Gusmão ganhou o codinome de “o favorito de Glauber Rocha”, que chegou a disputá-lo entre outros cineastas baianos. O ator tornou-se um dos nomes de destaque do movimento do Cinema Novo.

No teatro, a partir de 1958, a participação de Mário Gusmão foi marcante, com a montagem de peças de diversos autores contemporâneos ou clássicos, na Escola de Teatro da UFBA. Fez Almanjarra, de Arthur Azevedo, com direção de Martins Gonçalves; Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra, Cachorro Dorme nas Cinzas e O Moço Bom e Obediente, de Francisco Pereira da Silva, com direção de Gianni Ratto. Em 59, atuou no Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e na Ópera da Três Tostões, de Brecht, ambos com a direção de Martins Gonçalves. Em 1962, ao lado de Antônio Pitanga, fez Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho. A partir de 1964, com a montagem de Eles Não Usam Black Tie, de Guarnieri, com direção de João Augusto, Mário Gusmão agitou o Teatro Vila Velha. Ele se entregava totalmente aos seus personagens. Gusmão atuou, ainda na década de 60, em montagens de peças de Gil Vicente (Estórias de Gil Vicente), Sartre (Huis Clos), Strindberg (O Pelicano), todos sob a direção de João Augusto. Na década de 70, fez A Ilha do Tesouro, de João Augusto, com direção de Manoel Lopes Pontes e muitos outros sucessos como A História de Tobias e Saraa, e A Prostituta Respeitosa. Eles Não Usam Black-Tie, O Noviço e Chico Rei, O Banquete dos Mendigos, Stopem-stopem, Auto da Compadecida e A Ilha do Tesouro ele ganhou prêmios de melhor ator. Foram 23 peças que atuou.


Na televisão participou em dez novelas, sendo a primeira Maria Maria, depois A Vida de Antônio Conselheiro, Dona Beija (sucesso da rede Manchete nos anos 80), Tenda dos Milagres, O Pagador de Promessas e Teresa Batista. Atuava em muitos espetáculos musicais, compondo a maioria das músicas, e escrevia poesias. Ele foi uma espécie de ícone do movimento negro, embora sempre extra-oficialmente. Tido como um dos fundadores do Olodum, ele esteve nos principais grupos - dentre eles o Ilê Aiyê e o Muzenza. Muitos antes do movimento negro, enquanto atividade reconhecida e discutida, acontecer, Mário Gusmão já batalhava por essas bandas. Não foi a toa que ele foi fundador de quase todos os blocos afros existentes em Salvador. Participou de todas as iniciativas de conscientização do problema do negro no Brasil, fazendo pesquisas sobre a cultura afro-brasileira, como a que realizou na África, após participar do I Festival Internacional de Arte e Cultura Negra, quando percorreu durante oito meses a Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Angola e Daomé. Em novembro de 1984 a Câmara dos Vereadores lhe conferiu o título de Cidadão de Salvador.


Alto, leve, solto, magro, o Príncipe, como era chamado por Pierre Verger dedicou um trabalho de conscientização do problema do negro no Brasil através da arte. Quando Verger conheceu Mário ele ficou espantado. Como um negro que tanto se misturava com a cultura branca que inclusive passou por uma Universidade, conseguiu manter o porte de um negro da África mais distante? “Está nas raízes”, disse Mário. “Sou neto de uma das fundadoras da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte criada há 160 anos e que muito antes de acontecer a libertação já trabalhava (com ouro) para conseguir alforria para os negros escravos”, informou em 1984. Em Ilhéus, atuou na área de educação e foi professor particular de inglês. Mário foi uma figura de grande representação no teatro e no cinema nacionais. Não era uma negro singular, era um talento ímpar da Bahia. Seu currículo tem páginas e páginas para fazer referências às peças teatrais, novelas e minisséries na televisão, filmes, além de dançarino, coreógrafo e professor.


No dia 20 de novembro de 1996 - dia nacional da consciência negra - ele morreu no Hospital Português, onde estava internado, em consequência de um câncer generalizado. Morreu aos 68 anos como sempre foi sua vida: lutando. Foi um dos fortes referenciais de resistência negra através dos palcos e das telas. Viveu atuante na profissão que escolheu. Usou gestos e palavras como forma de se fazer enxergar. Quem entende a importância disso, sabe muito bem o que significa a perda do ator.

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