13 abril 2009

É preciso olhar com atenção (1)

Na atual sociedade do espetáculo em que vivemos, do narcisismo industrializado, é preciso pensar não apenas o que vemos, mas como vemos. Ver, atualmente, está ao lugar do ser, perdemos outras dimensões da existência, pois segundo a filosofia oriental, cada um se torna o que contempla. É preciso pensar em “como vejo” para ser capaz de entender sua participação como sujeito do conhecimento. Porque se você vê pelos olhos de outros, alguém lhe obrigou a ver o que você nem sequer teve chance de escolher. No momento em que alguém viu no seu lugar e lhe impôs sua visão, você compactuou com o visto sem chance de escapar ao imposto. É preciso ter cuidado com esse olho devorador que tudo quer abarcar nessa sociedade de vigilância, de televisões e monitores por todos os lados a vender imagens declaradamente marcadas pela brutalidade da persuasão e da sedução. Esse sim é o olhar perverso, marcado por sua posição absoluta que define a forma do mundo sem admitir contestação. Esse é o olhar autoritário que impera sobre outros proibindo-lhe existência. Um olhar fascista proibe pensar de outro modo, outra visão. É preciso olhar com atenção, pensar uma ética do olhar.

Para Décio Pignatari, televisão é olho contra olho, olhar contra olhar, dose diária de um “midiacamento” insuportável e insubstituível, mistura de elixir e droga, que provoca reações variadas no paciente, da náusea ao vício e à paixão. Sendo vício, viciado e vicioso, o olhar da televisão é sectário. Quem não assiste televisão não pertence à seita dos “haxixins”, é perigoso como qualquer não-sectário. O olho crocodílico da televisão cola e bricola. Tudo consome, tendo em vista o consumo.

“A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo ser acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar,esquece a amplidão”. Esse é um trecho do livro da escritora Marina Colasanti, “Eu sei, mas não devia”.

"A vista é o que nos faz adquirir mais conhecimentos, nos faz descobrir mais diferenças”. O texto é de Aristóteles na abertura da Metafísica. O olhar deseja sempre mais do que o que lhe é dado ver. Todos os filósofos falaram sobre o olhar. “A vista – escreveu Giordano Bruno – é o mais espiritual de todos os sentidos”. O olhar antigo captou o movimento sob as aparências da matéria corpuscular. O olhar científico procura descrever a energia. No olhar da Renascença, o olho do pintor convive harmoniosamente com o olho do sábio. Leonardo da Vinci, pintor-cientista, dá ao olho o poder de captar a “prima verità” de todas as coisas. “O olho, janela da alma, é o principal órgão pela qual o entendimento pode obter a mais completa e magnífica visão dos trabalhos infinitos da natureza”.

Para Hegel os olhos não são espelhos do mundo e janela da alma, como escreveram Leonardo da Vinci e muitos renascentistas (ou mesmo o olho do corpo é fonte de pecado, como disse Padre Antônio Vieira) e sim o olhar que se impressiona com os acontecimentos políticos da época, pensar o mundo interior à consciência do mundo e definir o movimento de constituição da História. O homem sem consciência de si, para si, é um ser silencioso e vazio. Ele substitui a cegueira da imaginação pelo pensamento der ver: a consciência e a coisa, o sujeito e o objeto – divisões brutais que determinam com rigor as esferas do sensível e do pensado, do que vê e do que é visto.

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