23 maio 2006

Sabores apimentados e aromas exóticos



Até a Idade Média, condicionamentos raros vindos do Oriente tinham grande importância comercial. Pimenta, cravo, canela, gengibre e noz moscada caíram nas graças dos glutões medievais, que pagaram caro para sentir seus sabores apimentados e aromas exóticos. Vendidas por comerciantes italianos (que compravam de mercadores árabes), as especiarias eram sinônimos de riqueza, luxo e sofisticação, sendo imprescindíveis que qualquer mesa aristocrática.

No Brasil, elas começaram a ser introduzidas em meados do século XVII, a mando de D.Pedro II. Mudas de canela, cravo, noz moscada, pimenta e gengibre foram trazidas da Índia juntamente com alguns agricultores experientes. Hoje, as especiarias fazem parte da cultura e da culinária brasileiras, assim como os coqueiros e bananais (plantas antes “alienígenas” às Américas) foram totalmente incorporadas à paisagem do Brasil. Salvador, por exemplo, é conhecida inicialmente pela sua comida apimentada, enquanto Ilhéus é a terra da Gabriela, “cheiro de cravo e cor de canela”. Dos mais comuns, como a pimenta-do-reino, o cominho e orégano, aos menos conhecidos, como o açafrão e a páprica, estes produtos dão às comidas dos baianos um sabor especial.

Primeiros habitantes destas terras, os índios, com o conhecimento que tinham do meio ambiente, foram fundamentais para os colonos que aqui chegaram em meados do século XVI. A influência indígena foi definitiva para a sobrevivência dos portugueses, recém-chegados ao Novo Mundo. Foi vital para o colono aprender com o nativo que erva se podia comer (mandioca era o principal alimento), quais seriam as curativas, enfim, como se relacionar com aquela região, seu clima e seus animais.

Pela necessidade de adaptação, foi na culinária índia que os portugueses encontraram a forma de estabelecer e aprofundar contatos, apesar da precariedade do receituário. E foi a mandioca, o principal alimento dos índios brasileiros, que facilitou as coisas. Dela, saltaram para outras plantas e frutas e para a caça. E a mandioca foi devorada na forma de farinha, de tapioca, de beiju, de cauim (uma forma de bebida alcoólica preparada pelos índios, misturando-os com carnes, frutas e outros vegetais); das frutas, a preferida inicialmente, foi o caju. Mas a mandioca, na forma de pirão, mingau e paçoca, passaria a substituir o trigo europeu, embora com certa resistência inicial.

A tradição conservou outra prática culinária dos índios brasileiros que os portugueses logo foram forçados a experimentar e adotar. Até hoje, é comum verem-se nas cozinhas das casas de muitas regiões do interior, mantas de carne penduradas sobre o fogão, como a secar pela conjunção de calor e fumaça.É o velho moquém dos indígenas.

Mesmo aceitando influências para adaptar-se, os portugueses introduziram outro elemento importante na culinária das novas terras – o sal, tempero que não entrava no preparo dos alimentos tanto dos índios como dos africanos escravos. A carne salgada, como modo de preservá-la, logo alcançou importância e expressão econômica.

Espoliados e explorados em seus direitos, até hoje os índios lutam, pagando muitas vezes com a vida pela demarcação de um espaço que lhes permita viver dignamente, em harmonia com a natureza, como sempre fizeram. Se antes eles eram cinco milhões, hoje restam menos de 300 mil sobreviventes, depois de cinco séculos de contato com os “civilizados”.

Arrancados de sua pátria e vendidos como escravos no Novo Mundo, os africanos escreveram com sangue uma saga de resistência que prossegue com seus descendentes. Das senzalas mostrou a primeira manifestação de cultura autóctone – a dança, com a ginga e o canto dos negros, ao som de instrumentos de percussão, como forma de resistir ao cativeiro. Nas senzalas, plantações ou cozinhas, com palmas, vozes, cabaças, instrumentos musicais ou ferramentas de trabalho, o que importava era fazer música e movimentar o corpo, pois, assim, a vida se tornava melhor. Essa música e dança, feita ao modo africano, era o lazer, o consolo e, principalmente, o momento do encontro.

A força cultural da cidade de Salvador vem dessa população negra da rua, livre e escrava, em que se consumem as línguas, as manifestações religiosas, a culinária e as roupas. Os negros trouxeram gosto por novos temperos e habilidade de improvisar receitas, misturando ingredientes europeus e indígenas.

A Bahia hoje desponta como um dos principais pólos de produtores de especiarias, 365 anos depois destes produtos terem sido introduzidos no país. A região sul do estado é o primeiro produtor nacional de cravo-da-Índia, o segundo de pimenta-do-reino e produz, ainda, em menor escala, canela,noz moscada, pimenta-da-jamaica e cardamono.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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