07 novembro 2021

Doce lembrança

Odemar era um rapaz com seus 68 anos bem vividos. Alto e forte, de olhos castanhos numa face bronzeada que nunca envelheceu a não ser o grisalho dos cabelos castanho, a barba aparada com precisão e toda a figura muito correta. Seu olhar de observador era doce quando o animava a curiosidade ou a compaixão, mas tornava-se duro na luta contra opressão.

 

Amava tudo que fazia:  no  artesanato, na culinária, na costura, no encontro com crianças especiais (ele foi professor), na conversa de rua com os amigos (que fazia diariamente). Ele amava sem esperar ada em troca e todos aqueles que ele levava no coração era inundado pelo seu amor e generosidade. E o  que nele predominava era a simplicidade ou ingenuidade que nos dias de hoje não se encontra com facilidade.

 


O amor entrou em sua vida e vivia a seu lado, inquieto, laborioso, tranquilo. O amor  pelos animais, plantas, mar. Era o  amor de Odemar. Uma criatura gentil, afetuosa, servil. Não era muito chegado a beijos ou abraços grudados, mas quando  abraçava sentia-se o calor de seu corpo, o pulsar rápido do coração, o tremor no corpo, o desejo em resistência, o silencio no olhar. Ele sabia se doar,  se entregar a tudo o que pudesse ajudar alguém. Passava conhecimento de vida e a arte de aproveitar-se dela.  Um presente precioso. Sensato, todos confiavam nele

 

Minha vida assumiu um aspecto inteiramente novo com sua presença. Amante dos quadrinhos, cinema e música,  via minha própria vida como um caminho reto, uniforme, atravessando um vale tranquilo (isso nas minhas fantasias, pois a realidade foi trágica). Com ele o caminho se curvava, desviava-se para uma paisagem de árvores, flores, animais e colinas. Era um caminho encantador, colorido e aventureiro.

 


Vivíamos tranquilos um ao lado  do outro. Não falava muito, era pisciano e sentia-se seguro como o avestruz que pensa iludir o caçador se não o olha. Mas quando estávamos à sós perdia a timidez e resistência movendo-se a um afeto paternal que pedia carícia e proteção. E assim, beijava levemente meus cabelos, um ato mais gentil durante o  relacionamento. Parecia uma nota suave de música, um sopro de vento  relaxante no  corpo, um sussurro  de paixão.

 

As cores da vida ressaltavam sobre sua face. Muitas vezes íamos a praia para observar. Ficávamos horas a fio sentindo  a brisa no  corpo aquele imenso mar e o  silencio eterno. O som desaparecia para nós no mesmo momento. Nossos ouvidos casavam muito bem. Não sentíamos nenhuma necessidade de falar. E,   em toda sua existência, ele espalhou sementes de delicadezas, gentilezas,  proezas e muitas certezas do bem viver. E essa lembrança que guardo em todo meu coração.  

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