Ela teve um fim precoce e trágico. Há 50 anos, no dia 04 de outubro de 1970, morria a lendária cantora que redefiniu o papel feminino no rock and roll: Janis Joplin, a garota que viveu as cores de seu pesadelo. Insegura, insatisfeita e suicida. Desarmada, depressiva e eufórica. Janis simboliza o protótipo perfeito da cantora de blues, que ela unia ao rock para fazer as plateias passarem da emoção ao fogo, em canções como Piece of my heart, Turtle blues, My and Bob Mcgee, Mercedes Bens, Summertime.
Toda sua insegurança, moldada pela
crueldade com que sua aparência e seu gênio provocavam na mentalidade estreita
vigente em Port Arthur nunca mais a abandonou. O racismo texano também criava
conflitos para Janis, que era considerada uma nigger love (amante de negros) só
porque não conseguia hostilizá-los como os colegas faziam. Pearl é como gostava
de ser chamada, e como se escondia das adversidades.
Fazendo sua cabeça com a leitura dos
escritores beats, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg aos 15 anos, Janis se
voltava para a cultura negra, desencantada com os valores da classe média
branca dos EUA. Daí para a música negra foi um passo. Foi no Festival Monterey
Pop, no verão de 1967 que Janis surgiu como uma jovem branca de longos e
despenteados cabelos louros. Mas no instante em que o Big Brothers começou a
tocar, aquela figura anteriormente de menina assustada passou a se transformar.
A banda tocava Piece of My Heart e a cada nota do contrabaixo, ela dava uma
pancada com a mão na perna. Ao final do número, o público entrou em delírio.
Apesar do apocalipse do Who, do fogo de
Hendrix, Janis agarrou o microfone, gemeu, bateu os pés, sacudiu a cabeça,
gritou e incendiou o ar. O canto de Joplin conseguia expressar toda a revolta,
as dúvidas e perplexidades que os jovens tinham com o mundo em que viviam. Com
seus cabelos longos e despenteados, sua voz áspera, seus gritos roucos, Joplin
fez renascer o blues.
Carente, angustiada, quando cantava Joplin
jogava todos os seus conflitos internos. “Minha música é sobre o sofrimento,
sua urgência. Sua presença”. Também no palco se entregava completamente.
Acariciava o microfone, gemia, implorava e batia os pés. “Eu canto com a minha
voz, meu corpo, meu sexo. Nenhum cara nunca me fez sentir tão bem quanto uma
plateia me faz”.
A branquela, sardenta e gorducha mocinha
texana depois de desestruturar todo o arcabouço do clássico e pretensamente
negroide Summertime, pergunta diretamente a Deus por que Ele não lhe compra um
Mercedes Benz, uma televisão a cores. A branca cantora de blues que se fez
negra pela cor de sua voz interroga e cobra do grande deus consumista as
promessas que a sociedade lhe fizera desde o berço. Por quê?.
Foi inovadora no vocal e em atuação no
palco. Na época, ninguém fazia o que Janis estava fazendo. No final de 1969 ela
já estava tensa, cansada, acabada. Bebe desesperadamente, está viciada em
heroína e continua só. Transa com vários garotos, mas continua só. Em janeiro
de 1970 pede ajuda médica e decide abandonar o vício, começa um tratamento e
vem para o Brasil em fevereiro, procurando um lugar onde pudesse descansar e
tomar sol. Chegou no Rio de Janeiro, depois para a Bahia onde descansou em
Arembepe. Mas, na volta à rotina dos shows, excursões e gravações, os mesmos
problemas a encontraram. Assim, do conflito entre duas personalidades (Pearl a
garota que surgiu como uma espécie de autopunição e Joplin cantora), nascia o
canto animal da única mulher branca a cantar blues com a sexualidade e o
desespero que só (raras) intérpretes negras a possuem.
No dia 04 de outubro de 1970, aos 27 anos
ela foi encontrada morta, depois de injetar acidentalmente uma superdose de
heroína. Seu legado é dos mais reduzidos: Cheap Thrills, (I Got Dem'01) Kozmic
Blues, Pearl, Big Brother & The Holding Company, Janis Joplin in Concert,
Janis (trilha sonora do filme).
Assim foi Janis numa carreira fulminante,
incendiária. Ela só tinha uma limitação: era basicamente intérprete. E
intérprete irreverente a uma escola específica, o blues. Sua luminosidade é ter
expressado publicamente uma sensualidade feminina triunfante e positiva, embora
– ainda – sofrida. Agora, 50 anos do desaparecimento da estrela, vale essa
recordação, um réquiem.
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