Tira é uma sequência de
quadrinhos que geralmente faz uma crítica aos valores sociais. Este tipo de
texto humorístico era publicado com regularidade. Contida em jornais diários,
essas tiras cotidianas com continuação preservavam o princípio do folhetim, com
seus engodos, adiamentos intencionais, e reviravoltas sistemáticas. Os leitores
sempre gostaram dessas tiras, cujos personagens partilham os mesmos valores,
problemas, cumplicidade ilusória mas fiel. Muitas dessas tiras apresentam uma
gag rápida, fundada quase por inteiro em seu desfecho, autônoma, voltada sobre
si mesma.
Devido ao seu caráter
noticioso e à fragilidade de seu suporte, são descartados e com isso
desaparecem. Para resgatar algumas dessas histórias o cartunista
e pesquisador Luigi Rocco está lançando o livro Tiras Brasileiras, pela
Editora Laços. A obra traz 363 tiras por nome do personagem em forma de
verbetes, com explicação de cada uma e pequena biografia de cada autor, como
Gedeone Malagola, Ignacio Justo, Mauricio de Sousa, Daniel Azulay, Miguel
Paiva, Theo, Mozart Couto e centenas de outros, muitos esquecidos pelo tempo.
“Luigi direcionou suas
pesquisas para os acervos dos jornais, onde conseguiu muita coisa, mas uma
parcela pequena do universo das tiras publicadas. Pelos mais variados motivos.
Muitos jornais, não existem mais. Dos que existem, nem sempre mantiveram o
acervo completo. Dos que digitalizaram os exemplares antigos, nem sempre o
fizeram com boa resolução. E por aí vão as dificuldades”, revela Edgard
Guimarães o prefácio do livro.
Dos personagens baianos
estão incluídos Os Bichim, de Nildão; Buteco Teco, de Lessa; Tinoco, de Theo.
Muito pouco, mas sabemos das dificuldades de pesquisar quadrinhos no Brasil.
Publiquei dois livros (O Traço dos Mestres e Feras do Humor Baiano),
independentes e sei do trabalho de pesquisa, edição, publicação e venda. Em
2018 terminei uma pesquisa de personagens brasileiros de quadrinhos para o
livro A,B,C dos personagens do quadrinho brasileiro (De Nhô Quim, de Agostini
aos Zeróis, de Ziraldo). A obra era para sair pela Editora Noir em 2019
comemorando os 150 anos de Nhô Quim, mas não foi possível devido a toda essa
desestruturação do setor cultural empreendido pelo presidente Bolsonaro. A
Bahia tem muitas tiras, entre elas Argemiro, de Setubal; Dora Mulata, LÁmour
Tuju L´Amour, de Lage; Fala, Menino! De Luis Augusto; Jab um lutador, de Flavio
Luiz, Xaxado, de Cedraz entre centenas de outros. Mesmo assim Luigi resgatou
tiras do Tivo Tico, A Gazetinha e outras raridades. Vale a pena conferir esta
obra muito bem editada pela Editora Laços. Quem quiser saber mais sobre o
autor, acesse http://tvmemory.blogspot.com.br.
No ano passado Luigi havia lançado pela editora Laços
o livro Tiras Paulistas, focando em tiras diárias brasileiras publicadas nos
jornais A Nação, Diário Popular e Diário de S.Paulo no período de cinco anos na
década de 1960.
Jornalismo ilustrado
A tirinha (em inglês
"strip") e outros veículos do chamado "jornalismo
ilustrado" nasceram da necessidade dos jornais de diversificar os seus
conteúdos e assim alcançar um maior
número de leitores. Durante a sua existência de mais de cem anos, a tirinha
mantém uma participação ativa na imprensa tanto com temáticas banais quanto com
questões sociais, políticas e filosóficas as mais sérias, mesmo que para fazer
rir. E, assim como o artigo, a crônica, o editorial e a charge, com seu caráter
opinativo, a tira de jornal apresenta ainda uma linguagem estética verbal e não
verbal capaz de burlar censuras e servir de bandeiras ideológicas em momentos
de crises sociais, como aconteceu em diversos países.
O sucesso das histórias em quadrinhos nos
jornais foi tão grande que não demorou para ganharem as páginas diárias. Por
questão de espaço, surgiram as tiras, com algumas características que se mantêm
até alguns anos atrás: narrativas concisas que, muitas vezes, fazem rir e
refletir.
O caráter de denúncia, revestido de ironia
e humor, marcou os primeiros escritos de argutos observadores. No princípio,
era a sátira escrita. E Gregório de Matos, o Boca do Inferno inaugurou no
século XVII os retratos verbais deformados das autoridades da época. Mas desde
a colônia, a crítica jocosa, assumida pelo povo no teatro, nas festividades populares,
eram representação figurada e viva da caricatura burlesca de nossos governantes
e costumes. E a veia cômica do Brasil completou com a anedota – uma caricatura
oral – sublimando suas mazelas. E dessa oralidade jocosa da colonia chegou-se
ao desenho satírico do papel impresso que proliferou no Império,
constituindo-se o traço caricaturado numa das linguagens de maior aceitação do
país.
Assim, a construção de “personagens tipo”
sempre foi de rigor na produção satírica, alter ego dos criadores, porta-vozes
contundentes de suas mensagens, figurações representativas de nações e épocas.
Artistas do lápis e da pena procuraram desenhar personagens que traduzissem
representantes de segmentos sociais expressivos do país.
Essa busca de uma identidade brasileira
tem parada obrigatória na caricatura. Coube a ela fixar imagens que recolocaram
valores e códigos de nosso processo histórico, documentos que falam por toda
uma época, registrando, iconograficamente, personagens nacionais marcantes.
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