A literatura de cordel foi reconhecida,
por unanimidade, na última quarta-feira (19/09/2018) pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural
Imaterial do Brasil. O gênero é ofício e meio de sobrevivência para inúmeros
cidadãos brasileiros. Segundo o instituto, apesar de ter começado no Norte e no
Nordeste do país, o cordel hoje é disseminado por todo o Brasil, principalmente
por causa do processo de migração de populações. O cordel foi inserido na
cultura brasileira ao final do século 19. O gênero resultou da conexão entre as
tradições orais e escritas presentes na formação social brasileira e carrega
vínculos com as culturas africana, indígena e europeia e árabe.
Histórico, moralista, biográfico,
humorístico e até mesmo político são alguns temas que a literatura de cordel
vem abordando desde o seu aparecimento até os dias atuais. Um dos poetas de
cordel mais conceituado do Brasil foi o baiano Cuíca de Santo Amaro, justamente
por causa de sua mordacidade – era um poeta satírico na linha de Gregório de
Matos. Exibidos ao público em cordas estiradas no alto das barracas das feiras
nordestinas – daí a expressão “literatura de cordel” -, os folhetos aparecem com
as pequenas tipografias do interior e são consumidos principalmente por
vaqueiros, lavradores e vendedores ambulantes.
Os mais variados temas são abordados
pelos autores desses folhetos, desde pitorescas histórias, criadas pelo matuto
(“A moça que dançou com uma caveira”), à crítica social (“O gozo da mocidade”),
passando pela crendice popular (“A moça que sonhou com Padre Cícero e jogou no
cavalo”). Também o fato político – real ou resultante da fantasia do povo –
mereceu farta bibliografia.
O cordel ainda é o jornal por excelência
do povo do interior, e o trovador é o seu repórter. Quando acontece um fato
importante, ele tem de escrever o folheto rapidamente, mesmo que não dê lucro.
Naqueles tempos, na zona rural, em lugares que nem o rádio alcançava, o povo só
acreditava nos acontecimentos depois que lesse sobre eles nos versos do cordel.
É famoso (e verídico) o caso do matuto que só acreditou que o homem foi à lua
depois que leu os detalhes n um folheto popular. É a literatura de cordel
refletindo a problemática social do homem nordestino.
O início da literatura de cordel está
ligado à divulgação de histórias tradicionais, narrativas de velhas épocas que
a memória popular foi conservando e transmitindo. São os chamados romances ou
novelas de cavalaria, de amor, de narrativas de guerras, viagens ou conquistas
marítimas. Mas ao mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, também começaram a
aparecer no mesmo tipo de poesia e de apresentação, a descrição de fatos
recentes, de acontecimentos sociais que prendiam a atenção popular.
A expressão literatura de cordel surgiu
no Brasil entre 1875 e 1880, utilizada pelo folclorista Silvio Romero para
definir o conjunto de folhetos de feira. O folheto tem habitualmente de oito a
64 páginas, mede 11 x 16cm e já circulava pelo Nordeste em meados do século
XIX. Entre 1893 e 1908 surge a literatura de cordel brasileira, com a
publicação de folhetos de pres poetas paraibanos: Leandro Gomes de Barros,
Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athayde.
As capas dos cordéis antigos eram
ilustradas com vinhetas nas tipografias do interior nordestino. É a partir da
década de 30 que surgem nas capas de postais, retratos de Padre Cícero e
Lampião. E as xilografias (arte de gravar em madeira) só começam a aparecer
regularmente a partir da década de 40. Franklin Cerqueira Machado (Maxado), de
Feira de Santana, e Francisco Silva (Minelvino), de Itabuna são os xilógrafos
mais conhecidos na Bahia.
No início da publicação da literatura de
cordel no País, muitos autores de folhetos eram também cantadores, que
improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do
sertão. Com a criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas,
mudou o sistema de divulgação. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a
maior parte do tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou
revendedores empregados por ele.
De custo baixo, geralmente estes
pequenos livros são vendidos pelos próprios autores. Fazem grande sucesso em
estados como Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Bahia. Este sucesso ocorre
em função do preço baixo, do tom humorístico de muitos deles e também por
retratarem fatos da vida cotidiana da cidade ou da região. Os principais
assuntos retratados nos livretos são festas, política, secas, disputas, brigas,
milagres, vida dos cangaceiros, atos de heroísmo, milagres, morte de
personalidades.
Em versos de 10 ou 12 sílabas, em rica
variação de versos, a poética de cada folheto conta fatos do cotidiano,
estórias de bichos, casos pitorescos, de amor, de Lampião, Padre Cícero,
Conselheiro, de figuras públicas, acontecimentos colhidos dos jornais, rádio e
tevês, enfim, toda a gama do rico universo do nordestino. Os próprios poetas
populares classificam a literatura de cordel em cinco temas mais frequentes:
romance, valentia (história de um valentão, que sempre acaba mal), gracejo (uma
história engraçada), desafio e encantamento (histórias de reinos encantados,
com fadas e bruxas). Geralmente, o próprio poeta popular é o editor e vendedor
de suas historinhas, que são penduradas num cordão, enquanto o autor,
acompanhado de viola, canta trechos de seus poemas.
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