24 novembro 2008

Nachtergaele estréia na direção com o premiado A Festa da Menina Morta

Há 20 anos uma pequena população ribeirinha do alto Amazonas comemora a festa da menina morta. O evento celebra o milagre realizado por Santinho, que após o suicídio da mãe recebeu em suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do vestido de uma menina desaparecida. A menina jamais foi encontrada, mas o tecido rasgado e manchado de sangue passa a ser adorado e considerado sagrado. A festa cresceu indiferente à dor do irmão da menina morta, Tadeu. A cada ano as pessoas visitam o local para rezar, pedir e aguardar as "revelações" da menina, que através de Santinho se manifestam no ápice da cerimônia.

Em síntese esse é o tema de A Festa da Menina Morta, estréia do ator Matheus Nachtergaele (Amarelo Manga) na direção. Desde sua primeira exibição em Cannes, em maio deste ano, o longa de Nachtergaele acumula nove prêmios (festivais de Gramado, Rio e Chicago). O filme, protagonizado por Daniel Oliveira (Cazuza - O Tempo Não Pára), será exibido em dezembro no tradicional Festival de Havana e pode ser exibido no Festival de Roterdã, segundo a Variety. A 38ª edição do evento acontece entre 21 de janeiro a 1º de fevereiro do próximo ano.
O filme A Festa da Menina Morta, que marca a estréia de Matheus Nachtergaele na direção, ganhou o prêmio de Melhor Filme na seção Novos Diretores do Festival de Cinema Internacional de Chicago. Este é o nono troféu que o drama ganha, entre eles os prêmios de Melhor Diretor e Melhor Ator para Daniel de Oliveira no Festival do Rio 2008. No Festival de Gramado, A Festa da Menina Morta ganhou também seis Kikitos, incluindo melhor filme do júri popular e da crítica especializada.
LÍDER ESPIRITUAL - A Festa da Menina Morta conta a história de Santinho (Daniel de Oliveira), alçado à condição de líder espiritual numa comunidade ribeirinha do alto Amazonas, a partir de um “milagre” realizado por ele após o suicídio de sua própria mãe. O filme procura ser o retrato íntimo dos envolvidos na seita, e da capacidade infinita do homem em “criar” fé e buscar um sentido diante de seu horror à morte. Investiga a fé e o sincretismo religioso do Brasil em uma comunidade ribeirinha do Amazonas.
Segundo o crítico Luciano Trigo, Nachtergaele não está preocupado em defender uma tese, nem em julgar seus personagens, nem em sublinhar o exotismo, nem em chocar o espectador. Numa combinação difícil e rara, o seu olhar é quase de um documentarista, ao mesmo tempo em que envereda por uma linguagem extremamente inventiva e poética, realçada pela fotografia de Lula Carvalho. Todo o elenco tem desempenhos corajosos e impecáveis, com destaque para Jackson Antunes, Dira Paes e Cássia Kiss, além do próprio Daniel de Oliveira.
"A festa da menina morta", segundo Trigo, mostra um Brasil que não aparece na televisão, mas no qual, por alguma via inconsciente, qualquer brasileiro se reconhece. As formas de sociabilidade, as relações afetivas, a maneira de lidar com a dor, a alegria na precariedade e a presença do irracional no cotidiano da comunidade que o filme retrata compõem uma síntese dura e bela de um modo essencialmente brasileiro de ser e viver. Uma estréia de alto impacto, que recupera o sentido da experimentação e do radicalismo, há muito tempo perdido no cinema brasileiro.
GRANDE MAESTRO - “O Matheus é um grande maestro, deixando todo mundo bem e regendo tudo como se fosse um artista pintando um quadro”, descreveu Daniel de Oliveira em entrevista ao G1 logo após a sessão. Juliano Cazarré, que faz o personagem Tadeu, irmão da Menina Morta que começa a levantar dúvidas sobre o Santo, concorda. “O Matheus entendia tanto de direção de arte quanto a diretora de arte, tanto de fotografia quanto o diretor de fotografia e mais de atuação do que a gente. É um artista muito preparado que funcionava como um ponto de referência para a gente”, disse. A imersão de dois meses no vilarejo de Barcelos, às margens do Rio Negro fez com que os atores se envolvesse intensamente na história.
A história é forte, contundente e trágica. “A palavra deste ano é a dor”, diz Santinho (Daniel de Oliveira) num momento importante do filme. A mesma dor que o filme passa ao espectador, que ganha um nó na garganta ao tomar contato com a angústia do longa-metragem. E, de fato, a entrega do ator no papel do protagonista deste filme é impressionante. Existe uma força, uma intensidade na composição do complicado Santinho que é impossível não se comover e se angustiar com o personagem.
Vamos aguardar a estréia em Salvador.

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