13 dezembro 2007

Walter Franco: entre gritos e sussurros (3)

Walter Franco, um dos maiores pesquisadores de nossa música popular, é responsável por experiências totalmente nova (vide “A Cabeça”, no FIC e “Muito Tudo” no Abertura, que causou polêmicas até hoje). Utilizando bastante o silencio, sua voz, um violão simples e um celo, ele dará continuidade aos seus trabalhos. “Por isso eu canto aqui, agora. Feito gente, feito fase como quem vai dormir e depois partir para outra” (Reportagem inicialmente publicada no jornal Tribuna da Bahia de 11 de março de 1976. Gutemberg Cruz).


O CICLO DO SIM

Na capa de Revólver (o título lembra um disco dos Beatles) Walter Franco vem só, na diagonal, atravessando uma rua de São Paulo. As mãos no bolso do paletó branco, tênis branco recorda John Lennon atravessando de madrugada a Abbey Road sozinho. Mas ele vem de frente, e a fila indiana de Abbey Road pode estar vindo, pode ser todo mundo quem quiser (Pode/pode ser/pode ser não/pode ser não é). Revolvendo tudo o que aprendeu dos Beatles a João Gilberto, Walter Franco mostra toda sua técnica em brincar com as palavras, trazendo a leveza hopnotizante característica de sua música.

Para o crítico Alberto Carlos de Carvalho este segundo LP é bem mais acessível que o primeiro em termos de comercialização, mas mesmo assim ainda não é um disco feito para se dançar ou para se ouvir conversando, lendo ou estudando. Tirando as crianças, que podem ouvir brincando. Revolver é o tipo de disco que, para se aproveitar ao máximo, deve ser ouvido sozinho e com head-phones.

Na contracapa, em braile (“o toque, o tátil”) há uma palavra: sim. “O que está escrito no centro da contracapa, diz Franco, é pra fazer sorrir um cego, ou fazer sorrir qualquer pessoa que enxerga, na ponta do dedo, no toque frágil”. Partas ouvir com o olho, com o tato.

Em depoimento à revista Rock, a História e a Glória, Walter Franco informou que foram necessárias 200 horas de estúdio (entre gravação e mixagem) para que o disco fosse finalmente aprovado e liberado por ele, que também foi o produtor. Aos mais desavisados pode parecer que 200 horas de estúdio seja um despropósito, um exagero. Ao se ouvir o disco, no entanto, fica claro que o resultado não só convence como justifica o tempo gasto em sua elaboração.


O crítico Heber Fonseca diz que “Revolver é a retomada de um trabalho que se renova e parte para a exploração de possibilidades inéditas, principalmente a partir do momento em que, sem nenhum pudor, somam-se alguns toques de rock com o objetivo de ampliar seu público e descobrir áreas novas de atuação”.

Franco, ao eletrificar a sua banda – basicamente a mesma do primeiro disco – reconhece que é possível atingir um público jovem que consome basicamente rock e chegar mesmo a ser executado no rádio”.... e é necessário ouvi-lo quando menos para se ter os pés na terra em meio a tantas idiotices sonoras que são impostas ao mercado por uma pressão de cima para baixo”.

ARMA PERIGOSA


“Feito Gente!”. Com essas palavras, faladas, começa o disco e depois delas a música: “Feito gente/feito fase/eu te mai/como pude/fui inteiro/fui metade/eu te amei/como pude”. O andamento, a contagem do ritmo é sempre igual, mas a pulsação muda, o tempo parece se distender, se acelerar, se contrair, se relaxar, feito fase.

Depois de Gal Costa ter incluído “Me Deixa Mudo”, em seu show “Cantar”, de Chico Buarque ter gravado essa mesma música, sua composição “Feito Gente” acabou se tornado faixa principal do disco e nome do aplaudido show de Wanderléa.

“Esse é um disco de corpo inteiro”, diz Walter. “Antes as pessoas só me viam em parte. Agora, se você junta as duas metades, você tem um corpo inteiro. Esse disco envolve tudo, todos os centros de energia, e é essa a ligação com o rock, que é dança, o corpo inteiro. E também São Paulo, uma cidade violenta onde eu sempre vivi, que pega e tritura tudo, revolve..... Revolver é mesmo a palavra exata para esse disco, esse momento. Revolver tudo o que eu ouvi, tudo o que eu sou. Revolver as pessoas. A eletricidade...é o estúdio...as contagens...já que estou num estúdio, então vamos entendê-lo, usá-lo como um canal, aproveitar tudo, revolver...”.

“O sorriso/do cachorro/ta/no rabo”, diz toda a letra de “Toque Frágil”.

Para Ana Maria Bahiana, crítica do jornal Opinião, Revolver “não é um disco fácil e não é um disco de massa, apesar dos fluídos rock e da garotada que, certamente comprar. Quem não estiver disposto a se sentir provocado, instigado, ou quem gostar só de idéias sólidas e definitivas, deve evitar Revolver. Pode ser uma arma perigosa. Em qualquer sentido”.

ENTRE GRITOS E SUSSURROS

No meio da urbe, segundo Walter Franco, há sempre uma tribo que tem um pouco mais de distância e talvez mais sofrimento. São os poetas, os vagabundos, os marginais, os que gritam com certa direção (podem errar o alvo, mas têm direção) e os sussurrantes. A música de Walter procura ter essa direção: entre gritos e sussurros ali está a experiência da cidade-monstro, da São Paulo avassaladora, de muita gente, muito barulho e uma seta; “Aqui também há música”. A voz de Franco caminha dos gritos aos sussurros, os instrumentos também, as letras das músicas têm essa ciclagem e as palavrinhas pulam entre harmonias na maioria das vezes muito simples.

As baladas, os rock-pesados e as brincadeiras são recheados por essa música simples, muito simples, que foi suficiente para polarizar o público nos festivais e chamar a atenção dos grandes intérpretes da música popular brasileira. Aqui e ali aprecem músicas de Walter em LPS de outros artistas. O dom dessa música está em recuperar nessas harmonias simples, nessas poucas posições que qualquer aprendiz de violão saberia reproduzir, toda a intensidade da vivência musical. Uma harmonia simples nunca foi sinal de limites estreitos para a criação musical, e isso Walter leva até às últimas consequências.

Enriquecendo o simples, Walter Franco passeia pelo mundo pop, imprime energia ao vocal, deixa as guitarras se soltarem e traz a música bem junto de seus lábios de onde saem as palavras bem colocadas de sua poesia.

“Ouvidos entupidos de repetições. Sem surpresa. Mesmos sons, mesmas idéias-geléias... Mas não tava tido perdido: quando menos esperávamos apareceu o necessário, o corrosivo, o acerto de contas, o balancete, o desequilíbrio, o pega, o quase, o sim e o não. Era preciso saber de tudo e de nada, alguém tinha de mostrar, aluem chamado Walter Franco mas que soubesse que podia ser Maria, João, Inês, Alberto, Ana ou Manuel” (Rogério Duprat).

Assim dito, Walter Franco surgiu como um cara que abriu algumas fronteiras sem ser inumano. Veio sereno, devagar, pouco dado a profetizações e respirando algumas experiências musicais paulistas: músico.

Discografia:

Ou Não (1973)
Revolver (1975)
Respire Fundo (1978)
Vela Aberta (1979)
Walter Franco (1982)
Tutano (2001)

2 comentários:

luciano disse...

Olá Gutemberg ,sou Luciano Delarth ,apresentador do programa Alfabeto Musical Brasileiro e admirador do trabalho deWalter Franco,pois tocamos suas músicas todas asa semanas.Como faço pata compormos uma parceria de divulgação?

Gutemberg disse...

Luciano

Gosto do trabalho de Walter Franco, mas há anos não ouço nada dele. Parece que ele sumiu, pelo menos nas bandas de cá. Ele é vanguarda no cenário musical brasileiro, maldito e poucos conhecem sua obra. Uma pena