Tudo muito louco
Tudo bem barroco
E contemporâneo
Tudo muito certo
Tudo muito perto
Beira ao espontâneo
Tudo muito vivo
Tudo tem motivo
Tudo tem razão
Tudo muito solto
E num mar revolto
Tosca embarcação
Tudo muito corpo
Tudo muito torto
Certo como anzol
Tudo muito tempo
Tudo muito lento
Tudo e muito sol
Não por acidente
Forma essa gente
Outra geografia
Tudo velho e novo
Tudo vem do povo
Tudo bem Bahia.
Tudo Salvador
Tudo pelo amor
E a necessidade
Tudo interior
Tudo e a rigor
Na realidade
Tudo se mistura
Acha quem procura
Ganha quem tem fé
Tudo se acomoda
Num samba de roda
Homem e mulher
Tudo faz sentido
E a cada pedido
Faz-se uma oração
Tudo e muita calma
Coração e alma
Na palma da mão
Tudo e nada mudo
E depois de tudo
O grito que encerra
O divino dom
Tudo que há bom
Tem na Boa terra.
Poema de Moraes Moreira feito no Rio de Janeiro após tocar em Salvador no carnaval dos 60 anos do trio elétrico. (Agradeço ao amigo Maurício Almeida)
Epifania (Ruy Espinheira Filho)
Alguns anos não consigo
deixar nas águas do Lete:
os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete.
Muitas coisas se afogaram,
e rostos, e pensamentos,
e sonhos, e até paixões
que eram imortais...
Porém,
os meus magros dezessete
e os teus catorze morenos
não entram nem em reflexo
nesse Rio do Esquecimento.
Que magia nos levou
a um espaço e a um momento
para que de nós soubéssemos:
tu, meus magros dezessete;
eu, teus catorze morenos?
Que astúcia do Imponderável
nos abriu aqueles dias
que permanecem tão claros
como quando nos surgiram?
Eu não sei. Mas sei que a vida
nunca mais me foi vazia.
Como não foi fácil, nunca,
por tanto me visitarem
os Arcanjos da Agonia.
Pois, se fui iluminado
por estarmos lado a lado
— os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete —,
seria fatal que também
viesse a sentir a alma
em chagas multiplicadas
por setenta vezes sete.
Ah, os teus catorze morenos
e os meus magros dezessete!...
Quanto sofrimento fundo
— mas quanto sonho profundo
e alto!
Que belo mundo
foi-me então descortinado,
porquanto me era dado
o privilégio preclaro
de penar de amor no claro,
no escuro, em todas as cores,
em todos os tons da vida,
dia e noite, noite e dia,
varrido ao vento das asas
dos Arcanjos da Agonia
(que eram, por algum prodígio,
os mesmos da Alegria!...).
Ah, que por mim chorem flautas,
pianos, violoncelos,
as cachoeiras, os céus
comovidos dos invernos...
Chorem, chorem, que mereço
essas lágrimas, porque
tudo sofri no mais pleno
de paraísos e infernos.
Que chorem...
Mas eu, eu mesmo,
não choro... Como chorar,
se mereci essa dádiva
de um amor doer na vida
por setenta vezes sete
mais que qualquer outra dor,
mais que qualquer outro amor?
Só me cabe agradecer,
pois a vida perderia
(e, o que ainda é mais cruel,
sem nem saber que a perdia...)
se não provasse os enredos,
insônias, febres, venenos
que em meus magros dezessete
acendeu a epifania
dos teus catorze morenos!
2 comentários:
Oi Gutemberg!
Gostou de Epifania! Para mim, é um dos poemas mais bonitos que já li.
Que belo encontro na livraria, não foi?!
Um abraço,
Ana Amélia
Ana,
Epifania é um dos belos poemas do nosso poeta Ruy Espinheira...
Gutemberg
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