03 fevereiro 2010

Devagar se vai ao longe (2)

A vida de correrias acaba se tornando superficial. E as crianças são talvez as primeiras vítimas da orgia de aceleração. Estão crescendo maiôs rapidamente que nunca. Hoje, muitas crianças vivem tão ocupadas quanto os pais. Levar a vida como se fossem adultos deixa muito pouco tempo para as crianças desfrutarem o que faz realmente a infância: andar com os amigos, brincar sem supervisão de adultos, sonhar de olhos abertos.

Para o autor desse “slow movement”, o jornalista canadense Carl Honoré (na obra Devagar, Record), depressa é agitado, controlador, agressivo, apressado, estressado, superficial, impaciente, ativo, quantidade-mais-que-qualidade. Divagar é o oposto: calmo, cuidadoso, receptivo, tranqüilo, intuitivo, sereno, paciente, reflexivo, qualidade-mais-que-quantidade. Um século depois de Rudyard Kipling ter escrito sobre a necessidade de manter a cabeça fria enquanto todos ao seu redor a estão perdendo, as pessoas aprendem a se manter tranqüilas, a permanecer devagar por dentro, mesmo quando se apressam para cumprir um prazo no trabalho ou pegar as crianças na escola no horário.

E comenta os defensores da desaceleração como o italiano Carlo Petrini que fundou o movimento internacional conhecido como Comer Devagar (Slow Food), centrado no conceito extremamente civilizado de que aquilo que comemos deve ser cultivado, cozinhado e consumido em ritmo de tranqüilidade.

Essa filosofia vem conquistando terreno em vários campos de ação. No local de trabalho, milhões de pessoas vêm fazendo pressão por um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida, e conseguindo o que querem. Na cama, muitos começam a descobrir as alegrias do sexo devagar, através do tantra e outras formas de desaceleração erótica. Cidades do mundo inteiro reorganizam oi espaço urbano para estimular as pessoas a dirigir menos e andar mais. Uma minoria cada vez maior está optando pelo ritmo moderado, em detrimento da velocidade.

COMIDA

Em seu best seller O País do Fast Food, Eric Schlosser revelou que a carne produzida em massa nos EUA frequentemente está contaminada com substâncias fecais e outras matérias patogênicas. Todo ano, milhões de americanos são intoxicados com coliformes fecais encontrados em hamburgeres. Basta olhar um pouco além da superfície parta perceber que a “comida barata” que nos é fornecida pela agroindústria constitui na verdade uma falsa economia.

A indústria de alimentos global é estruturada para favorecer a alta rotatividade, a produção de baixo custo – e os fabricantes de alimentos, as companhias de transporte de longa distância, os gigantes do fast-food, as empresas de publicidade, os supermercados e os empreendimentos agroindustriais têm todo o interesse em manter as coisas assim – o público é desinformado do que consome.

Enquanto nas cidades grandes há um corre corre sem fim, no interior há espaços verdes, zonas de pedestres, as praças, preservação das tradições estéticas e culinárias locais, estímulo do espírito de hospitalidade e solidariedade local. Não é atoa que Dona Cano chegou aos 102 anos com uma saúde de ferro. O que o movimento Devagar pretende é criar um ambiente em que as pessoas possam resistir à pressão para viver de acordo com o relógio e fazer tudo mais rápido. O culto das tranqüilidade rural pode ser comprovado nos diversos locais dos 417 municípios baianos.

Durante décadas a vida urbana tem sido associada pela advertência do ex-presidente francês Georges Pompidou: “Precisamos adaptar a cidade ao carro, e não o contrário”. Salvador precisa se adaptar para por os seres humanos em primeiro lugar e não como é hoje São Paulo, tudo engarrafado nessa guerra à velocidade.

Honoré reconhece que a velocidade é uma droga de nosso tempo. Aceleramos por um vício do corpo, para evitar pensar sobre questões profundas e porque ser rápido é sinônimo de prestígio na nossa cultura. Então, desacelerar é difícil. "Uma ironia é que nós somos tão impacientes hoje que até queremos desacelerar rápido! Leva tempo", diz. "Mas quando você percebe que velocidade não é sempre bom, que muito da nossa pressa não faz sentido (como correr para chegar rápido ao farol vermelho) então é possível ir mais devagar". Para quem quer tentar, ele enumera uma série de atitudes necessárias. A primeira é eleger prioridades na vida profissional e pessoal - não dá para fazer tudo de uma vez, e é preciso aceitar isso. Dessa forma, sobra tempo para se concentrar no que é importante. Quando estamos muito acelerados, comemos mal, não temos tempo para descansar, erramos no trabalho por causa da correria e perdemos relacionamentos por não darmos atenção suficiente para eles. "Viver devagar significa fazer tudo melhor e aproveitar mais. Você é mais saudável porque seu corpo tem tempo para descansar, mais produtivo no trabalho porque está relaxado, concentrado e mais criativo. E seus relacionamentos são mais fortes porque você pode dedicar sua completa atenção para as pessoas", defende Honoré. Vale tentar?



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