05 novembro 2007

Nos tempos líquidos o futuro pode morrer de sede (1)

Terrorismo, crime organizado, desemprego e solidão são fenômenos típicos de uma era na qual a exclusão e a desintegração da solidariedade expõem o homem aos seus temores mais graves. A insegurança é a marca fundamental dos tempos líquidos–modernos. Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman as cidades são hoje verdadeiros campos de batalha, onde poderes globais se chocam com identidades locais, abandonadas pela desintegração da solidariedade social. O produto desse encontro não poderia ser outro senão a violência e a insegurança generalizadas.

No seu estudo o sociólogo afirma que a passagem da fase “sólida” da modernidade para a “líquida”, ou seja, para uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não poderia mais manter sua forma por muito tempo, pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez organizadas, para que se estabeleçam. O segundo ponto observado por Bauman está na separação e divórcio entre o poder e a política. Grande parte do poder de agir efetivamente, agora se afasta na direção de um espaço global politicamente descontrolado, enquanto a política (a capacidade de decidir a direção e o objetivo de uma ação) é incapaz de operar efetivamente na dimensão planetária, já que permanece local. Assim, a ausência de controle político transforma os poderes recém-emancipados numa fonte de profunda e incontrolável incerteza, enquanto a falta de poder torna as instituições políticas existentes cada vez menos relevantes para os problemas existenciais dos cidadãos dos Estados-nações e, por essa razão, atraem cada vez menos a atenção destes. O resultado disso é que os órgãos do Estado abandonam, transferem ou terceirizam um volume crescente de funções que desempenhavam anteriormente.

Abandonados pelo Estado, essas funções se tornam um playground para as forças do mercado (iniciativa privada e aos cuidados dos indivíduos). No Rio de Janeiro, por exemplo, as favelas, abandonadas pelo Estado, estão “protegidas” pelo tráfico de drogas. A redução gradual da segurança comunal endossada pelo Estado, contra o fracasso e o infortúnio individuais retira da ação coletiva grande parte da atração que esta exercia no passado e solapa os alicerces da solidariedade social. A exposição dos indivíduos aos caprichos dos mercados de mão-de-obra e de mercadorias inspira e promove a divisão e não a unidade. Incentiva as atitudes competitivas, rebaixa a colaboração e o trabalho em equipe. A sociedade é cada vez mais vista e tratada como uma “rede” em vez de uma “estrutura”.

O colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo, e o desaparecimento ou enfraquecimento das estruturas sociais leva a um desmembramento da história política e das vidas individuais numa série de projetos e episódios de curto prazo que são infinitos e não combinam com os tipos de seqüências aos quais os conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”, “carreira” ou “progresso” (ordem de sucessão pré-ordenada) poderiam ser significamente aplicados. Uma vida assim fragmentada estimula orientações “laterais”, mais do que “verticais”. Esse é o quarto ponto.

O quinto e último ponto é a responsabilidade em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada sobre os ombros dos indivíduos – dos quais se esperam que sejam “free-choosers” e suportem plenamente as conseqüências de suas escolhas. A prontidão em mudar repentinamente de táticas e de estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento – e buscar oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que as próprias preferências.

Como essas mudanças influenciam a maneira como homens e mulheres tendem a viver suas vidas?, indaga Zygmunt Bauman no livro “Tempos Líquidos” (Zahar). O efeito geral das cinco mudanças listadas acima é a necessidade de agir, planejar ações, calcular ganhos e perdas esperados dessas ações e avaliar seus resultados em condições de incerteza endêmica. O autor estudou as causas dessa incerteza e desnudou alguns dos obstáculos que impedem a sua compreensão e nossa capacidade de enfrentar os desafios que qualquer tentativa de controlá-las necessariamente apresenta.

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