31 julho 2006

Quem disse que cabelo não sente? (1)

No mundo da música pop, o penteado é fundamental. As estrelas do rock passaram boa parte do tempo preocupando-se com seus cabelos. Futilidade? Uma arma para cada época. Protesto. A história do rock prova que o que está dentro das cabeças pensantes, de uma forma ou de outra – ou de um penteado ou de outro -, acaba por se refletir do lado de fora. Qual é o pente que te penteia? Nos anos 50, Bill Haley e Elvis atacavam de pega-rapaz e topetes. Nos anos 60, cabelos grandes eram sinal de rebeldia. Setenta apareceu arrepiando as cabeças de muitos rebeldes, os punks.

Nos violentos anos 80, os cabelos foram lançados ao vento, e muitos optaram pelo corte black lateral de Vernon Reid, do grupo Living Colour, e da estonteante Grace Jones. Outros preferiram os extensos fios metálicos de Axl Rose, do Guns´n Roses e companhia. O estilo elegante de Mick Hucknal (do Simply Red) e suas trancinhas avermelhadas não passaram despercebidos. Ou mesmo o inglês Jazzie B e seu look rastafari de longos cachos de cabelos trançados (dreadlocks), presos ao alto, responsável pelo som da Soul 2 Soul. Se a questão é muito cabelo, a irlandesa Sinéad O´Connor prefere o tipo careca, contrariando o look de cabelos fartos dos anos 90. O teu cabelo não nega. O visual do final do século XX resgata o culto às longas cabeleiras e, mais uma vez, elas têm a força.

As variações sobre o cabelo são o tema da canção de Jorge Benjor e Arnaldo Antunes que Gal Costa interpreta em um de seus CDs. Diz a letra: “Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada/quem disse que cabelo não sente/quem disse que cabelo não gosta de pente/cabelo quando cresce é tempo/cabelo embaraçado é vento/cabelo vem lá de dentro//Cabelo é como pensamento/quem pensa que cabelo é mato/quem pensa que cabelo é pasto/cabelo com orgulho é crina/cilindros de espessura fina//Cabelo quer ficar pra cima/laquê, fixador, gomalina/cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada/quem quer a força de Sansão/quem quer a juba de leão/cabelo pode ser cortado//Cabelo pode ser comprido/cabelo pode ser trançado/cabelo pode ser tingido/aparado ou escovado//Descolorido, descabelado/cabelo pode ser bonito/cruzado, seco ou molhado”.

Nos anos 50, os cabelos eram lambuzados de brilhantina e ondulados com os “bem trabalhados” topetes. Numa América com corte reco, estilo militar, aquilo era provocante, tanto quanto a música que o acompanhava. Ambos passaram para a história. “É a minha marca registrada. Clark Gable tem as orelhas, Jimy Durante tem o nariz, e eu tenho o pega-rapaz...”. Era a marca de Bill Haley mantida à custa de toneladas de brilhantina. Ao contrário de Gable ou Durante, o rosto rechochudo e limpo do “pai do rock´n´roll” não tinha qualquer característica em especial, nada que o tornasse identificável pelo público – a não ser a mecha de cabelo, caprichosamente desajeitada, a cair na testa. O reinado de Bill Haley e seus Cometas espalhou-se pelo resto do mundo. Dois anos depois, com a sensualidade de seus requebros, aparecia Elvis Presley, mais jovem e bonito que Haley. Elvis Presley imortalizou o topete esculpido com gomalina e acompanhado por costeletas. Presley copiou o penteado de Tony Curtis, que aparecia de topete no filme Almas Abandonadas (1949). Depois de Elvis, um séqüito de seguidores, menos expressivos como Pat Boone, Gene Vincent e Paul Anka.

Desde que Tony Curtis e Elvis Presley puxaram seus topetes para a frente, em claro desafio, o cabelo passou a ser um estandarte da revolta jovem contra os padrões estabelecidos e, principalmente, uma forma de demonstrar sensualidade. James Dean, com sua massa de cabelos revoltos, lançou o look despenteado da juventude transviada.

Os alegres e ingênuos anos 50, fifties ainda não acabaram. São os rockabillies da cidade que resistem armados com jeans, topetes, jaquetas e muito rock. E não falta o cabelo gomalinado e óculos “Ronaldo”. Cresce a tendência pelo revival anos 50. Primeiro foi a publicidade a resgatar a imagem daqueles anos otimistas, quando o mundo era risonho e franco no embalo da euforia desenvolvimentista de JK. Os rockabillies seguem à risca os modelos de comportamento da época – o mesmo chiclete na boca e o mesmo pente no bolso de trás do jeans surrado, que o tempo todo ajeita o topete

Depois dos topetes, que infestaram o mundo, chegou a vez do corte de cabelo estilo Príncipe Valente, dos Beatles. Guiados pela mão forte de Brian Epstein, os Quatro de Liverpool foram ao barbeiro e voltaram para casa com um visual que influenciaram meio mundo, inclusive famosos “rivais” como os Rolling Stones e The Who. A franjinha dos Beatles foi criada em 1963 pela modelo alemã Astrid Kirchher, namorada do ex-integrante Stuart Sutclifffe. O corte foi um dos diferenciais da banda que usava topetes. Os Beatles dançaram, gritaram e provaram que cabelos longos não significavam idéias curtas. A imagem agressiva e rebelde dos Rolling Stones fez contraste com os bem-comportados Beatles. As pedras começaram a rolar, enfrentando o sistema, a família e os bons modos. Se os Beatles tinham cabelos compridos mas bem aparados, os Stones não gostavam de cortar os cabelos, deixavam crescer à vontade. Rebeldia pouca é bobagem! Na próxima semana vamos conhecer os cabelos da Jovem Guarda. (Gutemberg Cruz)


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