A charge e a caricatura foram os dois gêneros gráficos que mais se sobressaíram no Brasil dos primeiros anos do século XX. A HQ propriamente dita seria apenas ensaiada por Ângelo Agostini. Com a invasão dos quadrinhos norte americanos no Brasil a partir dos anos 1930, o jornal não podia privar-se das charges que retratavam e satirizavam os políticos, as personalidades e os fatos de seu próprio país. A partir da segunda metade de década que começaram a surgir revistas e álbuns exclusivos de quadrinhos.
Sabe-se que a construção de personagens-tipo sempre fora de rigor na produção satírica, em geral alter ego dos criadores, porta-vozes contundentes de suas mensagens, figurações representativas de nações e épocas. Assim, a procura do brasileiro foi uma constante, delineado no quadro do Império, no longo da construção da nação, acentuando no espaço multirracial republicano e, ainda hoje questionada no território plural de raças, cores, sons e classes que conformam o país.
Artistas do lápis e da pena procuraram desenhar personagens que traduzissem – senão o tipo nacional – representantes de segmentos sociais expressivos do país. Era a contribuição decisiva que individualizam seu criador entre os pares, enquanto dava vazão para pôr em cena – via um único personagem – a marca pessoal, a inconfundível contribuição, propriedade inalienável, quase uma reserva de mercado de sua produção.
E nesta busca de uma identidade brasileira tem parada obrigatória nas histórias em quadrinhos. Coube a ela fixar imagens que recolocaram valores e códigos de nosso processo histórico, documentos que falam por toda uma época, registrando, iconograficamente, personagens nacionais marcantes. O elenco é vasto e muito difícil de registrar todos, diante da falta de uma bibliografia brasileira mais ampla, abarcando cada região do país, e não somente Rio e São Paulo. Todavia, coube ao lápis de Agostini a idealização de uma primeira representação nacional figurada
Assim, o humor gráfico tornou-se receita privilegiada para a comunicação instantânea. Em milhares de páginas divertidas e irreverentes, criou-se um poderoso circuito de riso entre o produtor e o consumidor da historieta. Do ferino Amigo da Onça, ao mordaz Fradim, do cortante Piratas do Tietê ao corrosivo Skrotinhos não há nada que resista a um ataque de riso. O bom e o mau, tornadas quase que estereótipos na cultura filosófica tradicional, mostravam-se, agora formidavelmente embaralhadas. Afinal, a representação cômica do país dava aos brasileiros, naqueles efêmeros momentos de riso e reflexão (como alertava o cartunista baiano Lage, “o importante é que o riso não fique na boca. Ele tem que dar uma chegadinha na consciência”), a sensação mínima de pertencimento político e social que lhe haviam retirado durante grande parte de sua história.
A linguagem dos quadrinhos desliza por diversos territórios, apresentando características híbridas, não só em relação aos elementos que a compõem, como também por mesclar atributos próprios de que se costuma (ou até não muito tempo atrás se costumava) considerar alta e baixa cultura, por sensibilizarem pessoas de diferentes faixas etárias e extratos sociais, criadores e consumidores. Os quadrinhos transitam entre a incorporação de valores estabelecidos e a geração de novos significados, servem de mais uma ferramenta para a compreensão de nosso entorno e o fazem sem que nos demos conta, de maneira simples e funcional.
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