04 abril 2008

Música & Poesia

O Sol (Arnaldo Antunes / Edgard Scandurra)

Nessa época o sol é mais frio
Porque ele se divide em mil
Mas para lá de janeiro
Ele volta a ficar inteiro

Agora o sol parece uma laranja madura
Porque ele está sem pintura
Mas quando entra março
Parece a cara de um palhaço

Tem dias que o sol vai embora
Tem noites que não tem aurora
Às vezes ele fica no Japão
E só volta quando chega o verão

Agora que o sol está bravo
Parece uma moeda de um centavo
Mas quando se alegra, o sol
Fica maior que uma bola de futebol

O sol está brilhando muito claro
Porque hoje é seu aniversário
Nesses dias ele quase cega
E quem é cego quase enxerga

O sol está sempre ali no céu
A terra é que faz o carrossel
De noite o sol apaga sua chama
E dorme debaixo da minha cama



As Palavras Ressuscitarão (Jorge de Lima)

As palavras envelheceram dentro dos homens
separadas em ilhas,
as palavras se mumificaram na boca dos legisladores;
as palavras apodreceram nas promessas dos tiranos;
as palavras nada significam nos discursos dos homens públicos.
E o Verbo de Deus é uno mesmo com a profanação dos homens de Babel,
mesmo com a profanação dos homens de hoje.
E, por acaso, a palavra imortal há de adoecer?
E, por caso, as grandes palavras semitas podem desaparecer?
E, por acaso, o poeta não foi designado para vivificar a palavra de novo?
Para colhê-la de cima das águas e oferecê-la outra vez aos homens do continente?
E, não foi ele apontado para restituir-lhe a sua essência,
e reconstituir seu conteúdo mágico?
Acaso o poeta não prevê a comunhão das línguas,
quando o homem reconquistar os atributos perdidos com a Queda,
e quando se desfizerem as nações instaladas ao depois de Babel?
Quando toda a confusão for desfeita,
o poeta não falará, do ponto em que se encontrar,
a todos os homens da terra, numa só língua — a linguagem do Espírito?
Se por acaso viveis mergulhados no momento e no limite,
não me compreendereis, irmão!

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