10 fevereiro 2017

Carmen Miranda: 108 anos de nascimento



“Taí/Eu fiz tudo pra você gostar de mim/Ó, meu bem/Não faz assim comigo, não/Você tem/Você tem/Que me dar seu coração” (Taí, de Joubert de Carvalho)

Fevereiro é época de festa, alegria, carnaval, e centenário de Carmen Miranda. A pequena notável de quadris redondos, movendo-se ao som de uma batucada sensual e sua brejeirice natural está completando cem anos de nascimento. No dia 09 de fevereiro de 1909 na pequena Marco de Canaveses, Portugal nascia Maria do Carmo Miranda da Cunha. Pouco depois de seu nascimento, seu pai emigrou para o Brasil, onde se instalou no Rio de Janeiro. Em 1910, sua mãe seguiu o marido, acompanhada da filha mais velha, Olinda, e de Carmen, que tinha menos de um ano de idade. Carmen nunca voltou à sua terra natal, o que não impediu que a câmara do conselho de Marco de Canaveses desse seu nome ao museu municipal.

“No tabuleiro da baiana tem/Vatapá, caruru, mungunzá, tem umbu/Pra Ioiô/Se eu pedir você me dá/O seu coração, seu amor/De Iaiá” (No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso)


"Carmem Miranda foi uma das primeiras expressões internacionais do Brasil, sempre com o seu personagem característico travestido de turbante de frutas tropicais, balangandãs, tamancos altíssimos e um jeito de cantar gesticulando e revirando os olhos. Apesar de ter nascido em Portugal, em 1909, veio para o Brasil aos dois anos de idade, e sempre assumiu um lado brasileiro de ser", disse Tânia.

“Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati/Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão/E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão” (Camisa listrada, de Assis Valente)

A artista fez gravações antológicas, amplamente reproduzidas até hoje, mesmo depois de 54 anos de sua morte, como "Taí", de Joubert de Carvalho; "Camisa Listrada", de Valente; "No tabuleiro da baiana" e "Na baixada do sapateiro", de Barroso; "O que é que a baiana tem?", de Dorival Caymmi, dentre outras. Atuou também em 13 filmes, nos Estados Unidos.

“O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?//Tem torço de seda, tem!/Tem brincos de ouro tem!/Corrente de ouro tem!/Tem pano-da-costa, tem!/Sandália enfeitada, tem!/Tem graça como ninguém/Como ela requebra bem!//Quando você se requebrar/Caia por cima de mim/Caia por cima de mim/Caia por cima de mim//O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?/O Que é que a baiana tem?//Tem torço de seda, tem!/Tem brincos de ouro tem!/Corrente de ouro tem!/Tem pano-da-costa, tem!/Sandália enfeitada, tem!/Só vai no Bonfim quem tem/(O Que é que a
baiana tem?)/Só vai no Bonfim quem tem/Só vai no Bonfim quem tem//Um rosário de ouro, uma bolota assim/Quem não tem balagandãs não vai no Bonfim/(Oi, não vai no Bonfim)/(Oi, não vai no Bonfim)” (O que é que a baiana tem?, de Dorival Caymmi)

Carmen Miranda é até hoje a cantora brasileira que mais fez sucesso no exterior. Dona de um estilo absolutamente único e particular, tanto na maneira de cantar como na performance de palco, teve uma vida de mito, cheia de glórias e dramas. Ela morreu em agosto de 1955, mas continuou sendo sempre lembrada por meio de shows e discos de homenagens, filmes, documentários sobre sua vida.

09 fevereiro 2017

A praça ainda é do povo?



Praça é um lugar de encontro, de namoro, de criança brincar, de festas com coretos e bandas de música, de chafariz, pipoqueiro, de gente. Espaço aberto, livre, acessível a todos, da interação social. As praças já foram locais mais importantes das localidades. Historicamente a praça sempre foi o templo da política. Os políticos se reuniam para fazer discursos. Ultimamente a praça se despolitizou. Existem praças da luz, da sé, do santo, do encanto e da apoteose. Praça da liberdade, da paz, da guerra e da humanidade. Tem programa de humor A Praça é Nossa, o boa praça (o soldado que trata bem às pessoas), além de locais com a história de várias gerações como a Praça Tiradentes, no Rio, base da implantação do Reinado de D.João VI

No mundo inteiro há praças memoráveis. Composta por órgãos federais representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a Praça dos Três Poderes em Brasília foi projetada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Lá estão localizados o Palácio do Itamaraty, o Palácio do Planalto, o Palácio da Justiça, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, o Panteão da Liberdade e Democracia e o Espaço Lúcio Costa. A Praça Vermelha é famosa em Moscou, conhecida pelos desfiles militares soviéticos durante a era da União Soviética. Exaltada pelo poeta Vladimir Maiacóvski (1893-1930) como o centro do mundo, a praça Vermelha tem um ligeiro declive que parece acompanhar a curvatura da Terra. Cenário de coroações, execuções e desfiles militares, é o palco principal da vida pública russa.
 
Mães foram para as praças chorar pelos seus filhos. A Praça de Maio sempre foi o centro da vida política de Buenos Aires. Desde a década de 70 as Mães da Praça de Maio se reúnem com fotos de seus filhos desaparecidos pelos militares durante a ditadura argentina. O povo argentino foi a Praça para exigir o fim da ditadura, e , mais tarde, para celebrar outros momentos. Em frente à Basílica de São Pedro, no Vaticano, situa-se a Praça de São Pedro Foi desenhada por Bernini no século XVII em estilo clássico mas com adições do barroco. Ergue-se um obelisco do Antigo Egipto no centro. Quase todos os visitantes que chegam ao Estado do Vaticano visitam primeiro a Praça, uma das melhores criações de Bernini, que o romancista francês Stendhal chamou “a arte da perfeição”.

Praça Castro Alves: a praça batizada em nome do poeta Antônio de Castro Alves é palco e coração do Carnaval de Salvador, maior manifestação popular do Brasil. O monumento do escultor italiano Pasquale Di Chirico, feita em bronze e granito, imortaliza o poeta em atitude de declamação. No início de 1866, na Bahia, Castro Alves fundou a associação abolicionista. Em novembro, o governo imperial, demagogicamente, decretou a liberdade dos cativos estatais que fossem lutar no Paraguai. Em dezembro (há 140 anos), Castro Alves publicou vibrante poema contra a repressão policial de comício republicano - "O povo ao poder". Diz o poema: “A praça! A praça é do povo/Como o céu é do condor/É o antro onde a liberdade/Cria águias seu calor...” . Tem ainda os Poetas da Praça, em salvador, reunidos na Praça da Piedade.
 
A música popular brasileira é cheia de praças. O samba chorou quando a urbanização acelerou na Praça Onze, composição de Herivelto Martins e Grande Otelo: “Vão acabar com a Praça Onze/Não vai haver mais Escola de Samba, não vai/Chora o tamborim/Chora o morro inteiro/Favela, Salgueiro/Mangueira, Estação Primeira/Guardai os vossos pandeiros, guardai/Porque a Escola de Samba não sai”. Zé Keti compôs Praça 11, Berço do Samba: “Favela/Do camisa preta/Dos sete coroas/Pra ver o teu samba/Favela/Era criança na praça onze/Eu corria pra te ver desfilar”

“Peço licença, peço em nome de quem passa/Onde a rua fez-se em praça/Tempo passa e vai-se embora/Eu vou cantar um samba/Pra quem chegar agora”, a letra A Praça já foi cantada por Nara Leão, mas A Praça que todos lembram é da canção de Carlos Imperial que teve como intérprete Ronnie Von, aquele da Jovem Guarda: “Hoje eu acordei com saudades de você,/Beijei aquela foto que você me ofertou,/Sentei naquele banco da pracinha só porque/Foi lá que começou o nosso amor.//Senti que os passarinhos todos me reconheceram/Pois eles entenderam toda a minha solidão/Ficaram tão tristonhos e até emudeceram/Aí, então, eu fiz esta canção//A mesma praça, o mesmo banco, / As mesmas flores, o mesmo jardim./Tudo é igual mas estou triste, / Porque não tenho você perto de mim./Beijei aquela árvore tão linda, onde eu/Com meu canivete, um coração eu desenhei/Escrevi no coração o meu nome junto ao seu/E meu grande amor então jurei...”.

“A praça Castro Alves é do povo/Como o céu é do avião/Um frevo novo,/um frevo novo,/um frevo novo/Todo mundo na praça,/manda a gente sem graça pro salão” cantou Caetano Veloso em Um Frevo Novo. E Moraes Moreira, em pleno carnaval, atacou de Chão da Praça: “Olhos negros cruéis, tentadores das multidões sem cantor/Olhos negros cruéis, tentadores das multidões sem cantor/Eu era menino, menino um beduíno com ouvido de mercador/Lá no oriente tem gente com olhar de lança na dança do meu amor//Tem que dançar a dança que a nossa dor balança o chão da praça ôuôuô”

08 fevereiro 2017

A santa preguiça


Ao longo dos séculos, a preguiça foi carregada de significações contraditórias e impressionantes variações. Foi tema de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas. O preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso.

Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver” (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele. Exatamente por isso, o preguiçoso é acusado de não contribuir para o progresso. Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, a preguiça comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da Igreja, ele deve sentir-se culpado. Pagar pelo que não faz.

Mas o trabalho sequestrou o tempo. Se no século XIX, o controle do tempo, ou seja, integração da vida operária ao processo de produção, hoje o controle é aceito naturalmente. O tempo passou e a reivindicação do tempo livre tornou-se quase que palavra de ordem subversiva: “Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo de trabalho”, conclama Pierre Reverdy no livro “A Difícil Arte de Quase Nada Fazer”.

Lançado em 1928, o Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade (1893-1045) só começou a ser discutido e lido nos anos 1960, e mais tarde sua obra foi montada no teatro e transportada para o cinema. Mário apresentou a preguiça com um outro significado, a síndrome da preguiça, de boa vida, da boemia.

Se o nosso Macunaíma murmurou “ai, que preguiça…” ao nascer, o filósofo Albert Camus comentou que “são os ociosos que transformam o mundo, porque os outros não têm tempo”. Outras milhares de citações seriam possíveis porque a indolência frequentou a imaginação humana desde tempos imemoriais – e nem sempre com a conotação negativa que hoje a acompanha. Houve um manifesto do socialista francês Paul Lafargue, O Direito à Preguiça, e outro clássico do tema, O Direito ao Ócio, de Bertrand Russel.

O herói nacional sem caráter, Macunaíma, retratado pelo modernista Mario de Andrade, vivia a falar
de sua própria preguiça. São também parte desse patrimônio simbólico a ideia da indolência e a crença na inferioridade da mestiçagem e nos efeitos negativos da clima tropical sobre o trabalho. Teorias foram escritas a esse respeito e, por mais que tenham sido repelidas, sobrevivem num substrato ideológico que ajuda a moldar a imagem do brasileiro. Afinal, a preguiça é dos pecados capitais. E, como estigma, abre a porta para uma série de preconceitos: o nordestino tido como preguiçoso, a criança de rua vadia, e o desempregado como pária social.

Os portugueses, no final do século passado e nas primeiras décadas do século XX, tinha uma imagem da preguiça da ex-colônia. Afinal, o Brasil figurava no imaginário português como um lugar de oportunidades, um país imenso, com muitas riquezas naturais e fantástico potencial. Como essa terra mítica na cabeça de muitos vieram para cá e acabaram prosperando. Disso derivaria a ideia de que os brasileiros não seriam capazes de explorar as potencialidades de seu próprio país. De que tinham, ao contrário dos portugueses, tudo para enriquecer, mas não o faziam por pouca dedicação ao trabalho.

TECNOLOGIA - Um dos grandes impasses contemporâneos, na era da técnica, se dá na questão do uso do tempo, daí o tema da preguiça, do ócio criativo, da pausa para pensar e refletir. A técnica é uma criação humana que, por paradoxo, volta-se contra o seu criador. Havia a crença de que com as novas tecnologias, teríamos mais tempo livre para nos dedicarmos ao nosso aprimoramento não só como profissionais, mas como seres humanos. Deu-se o contrário: nunca se trabalhou tanto como hoje.

O trabalho na era da informática tende a ser full time, sem interrupções, sequer nos fins de semana. As corporações dão aos seus executivos celulares, IPhones ou laptops, verdadeiros presentes de grego, pois essa parafernália permite que os funcionários sejam contatados a qualquer hora do dia, inclusive nos momentos de lazer.

O que houve foi uma apropriação total do tempo dos indivíduos pelo capitalismo contemporâneo. Fato de muitas consequências, como o sentimento de urgência permanente, o estresse, a desconstrução de si. Mais grave ainda: esse novo ethos capitalista se opõe frontalmente à experiência do pensamento e da reflexão.

As estratégias para administração do tempo alheio são uma forma de dominação. Em um texto de Michel Foucault, ele estuda como o tempo é disciplinado pela Igreja, pelo capitalismo e pelos presídios. Trata-se de não deixar qualquer tempo livre aos indivíduos, pois seria por ele que as tentações, desordens e queda de produtividade poderiam vir a perturbar o bom andamento das coisas.

Por outro lado, uma das formas de controle seria estigmatizar a palavra. O preguiçoso torna-se um pária. Mas, essa noção é historicamente construída. Na Grécia e Roma antigas, o ócio era nobre e o trabalho, vil. Transformar a ociosidade em pecado, ou estigma social, é uma forma de culpabilizar os que ousam dispor do seu tempo livre. Ou seja, não passa de uma estratégia de dominação.

Essa desapropriação do tempo individual pode ter se exacerbado neste estágio do capitalismo, mas é algo que já preocupava pensadores do passado. Paul Lafargue, genro de Marx, escreveu um panfleto famoso, O Direito à Preguiça, no século 19. Mais recentemente, Paulo Valéry, no prefácio às Cartas Persas, de Montesquieu, lembrava que nenhuma civilização podia se organizar sem atenção “às coisas vagas”. Ou seja, ao pensamento reflexivo, crítico, à produção de obras de arte e inteligência, que dependem do tempo livre e da falta de necessidade de um objetivo ou prazo a cumprir. Hoje ninguém mais se detém para pensar.

07 fevereiro 2017

40 anos surgia Ranxerox, o pós-punk androide (02)



Tamburini faleceu, vítima de overdose, aos 31 anos de idade. Liberatore sobreviveu aos caos. Nascido na Itália, estudou Artes Plásticas e mudou-se para Roma, onde cursou Arquitetura. Nos anos 80, publicou trabalhos nas revistas americanas, européias e japonesas. Seus alcançou setores como a televisão, o cinema e até mesmo a música: são de sua autoria a capa do disco de "The Man from Utopia", de Frank Zappa; os figurinos do filme "Asterix e Obelix - Missão Cleópatra", trabalho pelo qual ganhou um César; e inúmeras vinhetas televisivas para emissoras do mundo todo. Hoje em dia, mora na França.

FRANKENSTEIN BIÔNICO

O quinto capítulo (Contemporâneos e sucessos – uma escola de sacanagens) o pesquisador Gonçalo Júnios no livro Tentação à Italiana, um perfil dos mestres do erotismo contemporâneo (Ópera Graphica Editora, 2005) aborda Liberatore, o sexo e a paródia do caos, do encontro entre Tamburine e Liberatore, da anatomia dos personagens, parceiros, amoral, tudo ricamente ilustrado. Escreveu o pesquisador:

“O personagem era uma espécie de Frankenstein biônico, pós-apocalipse, que radicalizava essa postura para mandar seu recado num mundo caótico e sem saída, onde a violência se tornou umas ferramenta usual do dia-a-dia – até mesmo nas relações amorosas. Sua parceria, por quem era apaixonado, chamava-se Lubna, uma garotinha pré-adolescente viciada em drogas, de visual punk, que se prostituía para comprar alucinógenos”

“Entre as características que a dupla procurou destacar nas histórias de Ranxerox estavam a petulância, a mal-criação e a depravação de uma sociedade moralmente corrompida e corrupta. O personagem principal e Lubna, aliás, formavam um casal suigeneris que lembraria bem a dupla sanguinária de ´Assassinos por Natureza´, filme de Oliver Stone. Assim como no cinema, Lubna estava longe de ser uma garotinha frágil, como parecia”.

“O universo da dupla era extremamente violento, com uma realidade distorcida a partir do comportamento da juventude em sua época, influenciado principalmente pelo movimento punk, que surgiu nos EUA no final da década de 1960 e migrara para a Inglaterra em meados dos anos de 1970. Além das ideias inconformistas e até fatalistas, o visual punk de Ranxerox funcionava também como uma forma de protestar pela manipulação do vestuário e até da flagelação do próprio corpo. O personagem se tornou uma das mais controvertidas invenções dos quadrinhos. Chegou a ser descrito como o primeiro anti-herói pós-punk, um humanóide brutamontes que prenunciou a era do caos urbano quer se seguiu nos vintes anos seguintes. Polêmico pela violência exagerada e extremamente original em sua abordagem temática, transformou-se numa das referências de sua época”.