A relação entre o sertão e a civilização é sempre encarada como excludente. É um espaço visto como repositório de uma cultura folclórica, tradicional, base para o estabelecimento da cultura nacional. Para Euclides da Cunha e Monteiro lobato, a civilização devia, no entanto, ser levada ao sertão, resgatando essa cultura e essas populações que aí vivem
“Os Sertões” de Euclides da Cunha, publicado em 1906, é tido pelos críticos como o início da procura pelo verdadeiro país, pelo seu povo, tendo posto por terra a ilusão de nos proclamarmos uma nação européia e mostrando a importância de sermos americanos. Com ele, teríamos iniciado a busca da nossa origem, do nosso passado, da nossa gente, da nossa terra, dos nossos costumes e tradições. Teríamos ficado conhecendo, com ele, a influência do ambiente sobre o nosso caráter e a nossa raça em formação.
O sertão aparece como o lugar onde a nacionalidade se esconde, livre das influências estrangeiras. O sertão é muito mais que um recorte territorial preciso; é uma imagem-força que procura conjugar elementos geográficos, linguísticos, culturais, modos de vida, bem como fatos históricos de interiorização como as bandeiras, as entradas, a mineração, a garimpagem, o cangaço, o latifúndio, o messianismo, as pequenas cidades, as secas, os êxodos etc. O sertão surge como a colagem dessas imagens, sempre vistas como exóticas, distantes da civilização litorânea. É uma idéia que remete ao interior, à alma, à essência do país, onde estariam escondidas suas raízes.
Para Monteiro Lobato (Urupês é um bom exemplo), o verdadeiro Brasil, o que queria mostrar, era o Brasil do interior, não era o Brasil artificial, macaqueado do estrangeiro. Era o Brasil do campo, não o das grandes cidades. “O Brasil não era um São Paulo, enxerto do garfo italiano,. Nem o Rio artificial português. O Brasil está no interior, onde o sertanejo vestido de couro vasqueja nas coxilhas onde se domam potros. Está nas caatingas estorricadas pela seca...”
Enquanto muitos escritores continuavam preso à imagem tradicional de que o homem sábio se encontre na cidade ou no litoral, é só com Guimarães Rosa que o sertão vai irromper como discurso sábio na ficção brasileira. Rosa explora o sertão de maneira poética, comparando a paisagem seca e quase desértica aos sentimentos e às relações humanas. “O sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele. Guimarães Rosa faz um verdadeiro tratado em sua obra Grande Serão: Veredas, mostrando a diversidade do sertão que vai de Minas Gerais a Bahia, passando pelo Centro-Oeste do país. João Cabral de Melo Neto, como Guimarães Rosa, pode ser visto como quem iniciou o processo de “desregionalização da região”, ou seja, fazendo emergir o caráter de construção discursiva, de invenção pela linguagem, do regional; fazendo emergir a percepção da região como formada por diversas camadas de imagens e enuciados, como fruto de visões e leituras diferenciadas, denunciando a textualidade que a construiu anteriormente.
OCUPAÇÃO - A colonização foi, antes de tudo, a aventura da conquista e ocupação do sertão. Para os colonizadores portugueses, as terras americanas significavam um imenso vazio a ser preenchido com seus interesses, concepções e valores. Eles conquistaram o sertão: formando cidades e vilas, plantando canaviais, extraindo metais preciosos ou criando gado. Impunham a autoridade do rei, difundiam a fé cristã e transformavam índios e negros africanos em escravos. Buscavam construir o Novo Mundo à semelhança do Velho Mundo, de onde vieram.
Durante todo o século 16 o domínio português restringiu-se a uma estreita faixa litorânea e pouco se interessou pela conquista do interior, pelo sertão seco. Afinal, não tinha notícias de nenhuma riquezas da região que tivesse valor para o comércio colonial. Foi somente em meados do século 17, especialmente durante o período da ocupação holandesa, que teve início de forma mais enfática a ocupação do sertão nordestino por meio da pecuária.
As sucessivas secas enfraqueceram o processo de ocupação do sertão. Os anos de bons invernos acabaram permitindo um renascimento agropastoril, o renascimento das cidades, o aumento do comércio e certa prosperidade econômica. Diversas vezes, nos períodos mais intensos de uma seca, comunidades indígenas foram obrigadas a se vender para os conquistadores em troca simplesmente de comida.
Os projetos de irrigação, a reforma agrária, os projetos de colonização, o apoio aos pequenos e médios produtores rurais, a diversificação de culturas e a lavoura seca não passaram de tentações malogradas de superação do atraso e da miséria do sertão seco. Sem esperança de mudar a história das suas cidades, os nordestinos buscaram em outras paragens a solução para a sobrevivência das suas famílias. Foi nos sertões que permaneceu inalterado o poder pessoal dos coronéis, petrificado durante o populismo e pela migração de milhões de nordestinos para o Sul.
No regime republicano a elite política nordestina aceitou uma posição subserviente diante do poder central. A redemocratização de 1945, mantendo no poder grupos políticos surgidos em 1930, não alterou a posição do Nordeste em relação ao governo central. Nessa republica populista o coronelismo viveu a sua época dourada, associando domínio politico com a utilização de vastos recursos públicos para fins privados. Foi o florescimento da indústria da seca. E até o momento nada se resolveu que a questão essencial para enfrentar e conviver com a seca. O latifúndio improdutivo e o monopólio da água pelos poderosos da região impediram qualquer transformação sócio-econômica.
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