O século XX tornou a felicidade uma obrigação. As pessoas devem ser felizes, sob pena de amargar o pior dos fracassos. E isso paradoxo que poderemos estudar, o do fardo que é a felicidade que virou dever. O ícone da modernidade, a carinha feliz amarela, a face sorridente captura perfeitamente a vontade de ter boas sensações, parece ordenar a felicidade. É a publicidade vendendo sonhos, e o sonho agora é em geral uma variação do tema felicidade. Ou mesmo a canção famosa “Don´t worry, be happy”.
E há expectativa (ou esperança) da felicidade (para alguns) encontrar no perfume Happy ou no prazer ilícito da droga ectasy. Assim, a busca da felicidade virou uma preocupação global, seja com roupas profundas ou superficiais, com tradições culturais ou religiosos. Mas, em todas as épocas e lugares, a felicidade poderá ser sempre objetivo final da humanidade. Será?
Se na antiguidade a felicidade era considerada um estado transcendente e quase divino, alcançável apenas por pouco. Hoje foi democratizada – está mais próxima do sentir-se bem do quedo bem propriamente dito. Estando ao alcance de todos, a felicidade é perseguida com um frenesi e gera o oposto – desconforto, descontentamento e até culpa.
Alguns pensadores sustentam que a felicidade deve satisfazer um critério objetivo. Outros afirmam que a felicidade é apenas o estado subjetivo de satisfação com a própria vida. Na face homérica a felicidade era igual a ventura. Na fase clássica, a felicidade era igual a virtude. Para o filósofo Aristóteles, a felicidade era a “atividade da alma que expressava a virtude”. A felicidade para Aristóteles envolvia as virtudes “intelectuais” divinas e não as práticas.
Na época medieval a felicidade era igual a Deus. Os cristãos era ensinados a sofrer em nome da virtude, pois assim seriam recompensados com a eterna bem-aventurança celestial. No Iluminismo a felicidade era igual ao prazer. Na época John Locke sugeria a idéia de que talvez existam tantas formas de felicidades quantos forem os tipos de desejo.
Helvétius considerou o século XVIII como o século da felicidade. A fome e a peste deram lugar a um período de vida mais longo e a população quase dobrou. Quanto mais se tenta alcançar a felicidade mais fugidia ela se revela. Algumas pesquisas mostram que os homens são ligeiramente mais felizes casados, ao passo que as mulheres estão mais satisfeitas quando solteiras.
“Um homem se ocupa com aquilo do qual espera obter felicidade, mas sua felicidade é o fato de estar ocupado” é a pérola do filósofo francês Alain (1868/1951). E nos tempos contemporâneos a felicidade é igual ao cãozinho amigo.
O consumo em massa de psicofármacos para dormir, emagrecer, trabalhar ou relaxar após uma festa movimenta por ano US$ 500 bilhões, segundo a Organização Mundial de Saúde. Hoje as pessoas têm que ser belas e jovens, enfrentar a competição, suportar tensões sem reagir, viver sem amparos trabalhistas que estão ruindo e com suportes familiares cada vez mais precários. Desse jeito, só à base de calmantes. É um traço social de desespero, que tende a se agravar.
Mais de 40 milhões de pessoas morreram na carnificina da Segunda Guerra Mundial e, em 1949, diante do primeiro teste bem sucedido com uma bomba atômica, realizada pela União Soviética, era um absurdo falar de felicidade. E foi nessa circunstância que Samuel Beckett criou seu teatro do absurdo:
Vladimir – Diga que você é, mesmo que não seja verdade.
Estragon – O que é que eu tenho de dizer?
Vladimir – Diga: eu sou feliz.
Estragon – Eu sou feliz.
Vladimir – Eu também.
Estragon – Eu também.
Vladimir – Nós somos felizes.
Estragon – Nós somos felizes (silêncio). E o que é que nós fazemos agora, agora que somos felizes?
Vladimir – Esperamos Godot.
Estragon – O que é que eu tenho de dizer?
Vladimir – Diga: eu sou feliz.
Estragon – Eu sou feliz.
Vladimir – Eu também.
Estragon – Eu também.
Vladimir – Nós somos felizes.
Estragon – Nós somos felizes (silêncio). E o que é que nós fazemos agora, agora que somos felizes?
Vladimir – Esperamos Godot.
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