A jornalista Angélica Menezes compreendeu muito bem a natureza gráfica do traço de Lage no tocante as questões sociais e políticas, o que vai nos servir para entender a própria grafia de seus desenhos de humor, enquanto sintonia plástico de uma dada concepção visual e ideológica do mundo. Eis o que diz Angélica: “A obra de Lage, sem qualquer comedimento, adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das relações de classe e escancara os valores do imaginário do autor. Aborda temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos políticos e dos governantes, e atinge o seu auge no objetivo quando o tão almejado feed-back é de sucesso absoluto: menções na mídia, processos, como o que, em 1992, moveu o ex-governador da Bahia e senador da República Antônio Carlos Magalhães por se sentir prejudicado pelo traje listrado que lhe conferiu o artista, entendido como indumentária típica de presidiário ou de um criminoso. A fome e o desemprego, assim como chacinas, como a dos Sem-Terra, em abril de 96, no Belém do Pará, trazem para o universo dos pleitos de um significativo segmento social as velhas bandeiras da estabilidade no emprego, de reajustes salariais e da Reforma Agrária”.
“O humor se faz presente com uma carga ideológica misto de humor negro e da sutileza de uma piada bem contada entre amigos, por exemplo, na mesa de um bar. A intimidade que revela com os personagens e com o público tem origem no cotidiano e no acompanhamento dos fatos que fatalmente interferem nas relações sociais quando devidamente dissecados pelas partes interessadas. Lage seguramente é pioneiro na Bahia da charge política, nas duas décadas e meia (70/96) em que se comunica com um público que se amplia. Seu trabalho é referência e faz escola. Não é de veiculação exclusiva da grande imprensa e está requisitado em jornais e outras publicações de sindicatos, entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e ambientalistas. Em dois out-doors inclusive teve a oportunidade de mostrar como a charge é um recurso poderoso de comunicação nada devendo em efeito de linguagem às fotos e mensagens escritas boladas pelas grandes agências de publicidade. Nos out-doors o produto vendido foi a crítica à revisão constitucional nos governos Itamar Franco/Fernando Henrique Cardoso dos pontos de vista dos trabalhadores do Fisco baiano (auditores fiscais do Estado) e da Petrobrás”.
E a jornalista detalha os trabalhos de Lage nos quadrinhos (que pode ser lida por completo no livro Feras do Humor Baiano lançado em 1997) e conclui: “Sobre o perfil do autor, eu diria: de jeito considerado tímido, é bastante reservado, perspicaz, introvertido como se estivesse a sondar o terreno onde está pisando, mas bastante humorado. Um tipo raro de pessoa com o poder da visão além das aparências. Com cara de amigo de todos é inimigo da prepotência. O seu trabalho independente na prática inviabiliza chefias, está acima de comandos por achar que está a serviço de ma imprensa livre e embora um estilo aparente tal o de um seminarista a quem se atribui assexuado e sempre cordato, não se auto censura e nem admite censuras”.
“Iluminado, demolidor, íntegro, traço reto como o seu caráter. Talento incomum que dignifica a imprensa em geral e a arte do cartunismo em particular. Notável e instigante chargista político. Em abril de 1990, quando chefiava a sucursal da Veja, pautei e acompanhei o fechamento de uma matéria na Vejinha sobre cartunistas baianos, executada com brilho pelo repórter Valdemir Santana. Então Lage desnudava imperadores e rainhas do poder na Bahia e no Brasil na era collorida. Mexia não só com cardeais da política, mas com batinas famosas também. Foi assim na charge que mostrava o vigoroso Avelar Brandão Vilela indeciso e assustado diante de um despacho de candomblé, posto em encruzilhada baiana. Deu rolo tanto com católicos quanto militantes esquentados do MNU”.
“Em 1992 foi a vez de Antonio Carlos Magalhães tentar colocar o garrote da censura no pescoço de Lage e nas páginas da TB. O motivo foi a charge `Farias do mesmo saco`, genial por sinal, na qual ACM aparecia com a tradicional camisa de grife presidiária, com listas horizontais, dentro de um saco levado por PC Farias. Deu bolo também, com os ataques do dono do poder à TB e o surreal pedido de direito de resposta à charge, encaminhada por ACM à justiça. Então Diretor do Sinjorba, acabei entrando na briga contra tamanho disparate, ao lado de muita gente que, como esse jornalista, acompanha com admiração sempre crescente os passos desse original artista do traço, que chega aos 50 anos de idade com o vigor criativo – sua marca inconfundível – inabalado. Mais 50 anos, no mínimo, para Lage, é o que peço. Os poderosos e poltrões não vão gostar. Mas a face ética, criativa e corajosa da Bahia, sorrirá feliz”. A opinião é do jornalista Vitor Hugo Soares, que acompanhou a trajetória de Lage desde o início de carreira. O depoimento na íntegra está no livro Feras do Humor Baiano.
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