Helio Roberto Lage pertence a história dos nossos quadrinhos/cartuns. Homem simples, de bom papo e cultivador dos momentos humorísticos da vida. Desde seu relacionamento com as pessoas que lhes cercam, até o momento em que executa um trabalho, é um humorista nato. Além de humorista, era arquiteto e pintor nas horas vagas. Desenvolvendo sua atividade de cartunista com bastante brilho, Lage é um nome respeitado entre os que fazem humor e quadrinhos. Seu desenho é a melhor forma de expressão que compensa o seu lado introvertido. O lado humorístico, presente não só nas tiras, mas também nas charges políticas, são a contrapartida do seu temperamento melancólico.
De traço simples, Lage consegue captar todo o momento histórico político vivenciado nacionalmente. Cartunzão, L´amou tuju L´amu, Tudo Bem, Brega Brasil, Ânsia de Amar mostra um humor sem retoques – autêntico e mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro, a perplexidade nossa de cada dia. É um quadrinho cartunístico que se cristaliza através de questões sociais e culturais. Conferindo ainda seus efeitos ideológicos e sua marcante criatividade. Enquanto muitos desenhistas se distanciavam dessa nossa realidade em seus trabalhos, Lage procurava se aprofundar mais em nossas questões políticas e culturais.
Se o humor de comportamento conquistou leitores nos anos 50, foi forçado pelo clima político estabelecido pela Revolução a dar lugar ao humor político, engajado. Os cartunistas se armaram contra o ataque, mas os meandros do comportamento humano, o sexo, o casamento, a cultura, enfim tudo aquilo que faz os costumes do cidadão brasileiro foi posto de lado pelos desenhistas de humor. Mas Lage, como grande crítico do cotidiano dissecou as leis e pacotes vindos de Brasília, além de mostrar a política local em suas charges diárias. Nas suas tiras ele mostrou o relacionamento humano, seus conflitos e insegurança, o dia-a-dia do baiano.
Nascido no dia 16 de setembro de 1946, desde cedo teve contato com as formas e a criação. Ainda criança, fazia bonecos de cera, e ganhou até um prêmio no concurso da Toddy. Aos 15 anos se apaixonou pelo desenho. Em 1967 foi trabalhar como ilustrador na Revista de Turfe. Em 1969 começou a desenvolver charge e tiras de humor no jornal recém fundado, Tribuna da Bahia. Na série Estorinha do Lage começou a publicar um herói espacial, sátira ao super-herói. Ainda na serie ele criou o papagaio Put. Nos anos 70 começou a desenhar uma página inteira de humor no jornal O Dia, de Piauí. Durou um ano. Em seguida começou a ilustrar a coluna esportiva de Carlos Eduardo Novaes mo Jornal do Brasil. Depois veio a serie Cartunzão, muito irreverente. Para o suplemento A Coisa criou L´amu tuju L´amu abordando os costumes e comportamentos populares. Nos anos 80 começou outra serie de tiras diárias, Tudo Bem onde a mulher, Kátia Regina, por exemplo, era a personagem principal, mesmo com a presença constante de Arlindo Orlando. Em 1989 foi ao ar na Radio Educadora FM o especial Lage, Cartunista Baiano onde as tiras diárias Tudo Bem foram transportadas para a linguagem radiofônica.
De 1976 a 1980 foi editor de arte da revista Viverbahia quando começou a fazer quadrinhos coloridos. Em 1981 passou a ser editor de arte da revista Axé Bahia e publica os quadrinhos da sensual Dora Mulata. Em 194 no Jornal da Pituba cria o quadrinho Pituboião, satirizando o dia a dia da comunidade. Mais tarde faz diversas ilustrações e cartuns para o jornal O Bocão, da Boca do Rio, bairro de Salvador. Em 1990 lança a revista de humor e quadrinhos Pau de Sebo, deboche puro.
Uma das primeiras publicações de humor e quadrinhos que surgiu em Salvador na década de 70, começou em formato de jornal, como suplemento da Tribuna da Bahia, A Coisa. O seu editorial dizia: “Esquecidos como profissionais sérios, confundidos muitas vezes com o seu trabalho que faz rir ou divertir, os desenhistas de humor e quadrinhos lutaram com dificuldade até serem reconhecidos como artistas importantes, ou mesmo artistas (...) A importância do humor e quadrinhos e indiscutível hoje em dia, pois nunca se discutiu tanto a respeito (...) Trata-se então de tomar consciência de nossa própria importância como profissionais e nos impor através da qualidade de nossos trabalhos. Consciente disso, foi que nós de A Coisa, lutamos e conseguimos reunir um grupo de pessoas interessadas que tem como meta principal uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano. Acreditamos ter chegado em momento oportuno procurando suprir a falta de uma publicação desse gênero entre nos. Pretendemos também divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”.
A Coisa durou de 1975 a 1976. Ainda em 76 a equipe se mobilizou e lançou o tablóide Coisa Nostra, cujas 20 paginas incluíam reportagens, colunas de cinema, música e cartuns. O editorial do número um alertava que o “importante é que o riso não fique na boca. Ele tem que dar uma chegadinha na consciência”. Coisa Nostra só teve quatro números. De 1985 a 88 Lage produz vídeo charge (ou charge eletrônica) na TV educativa de Salvador. Foi o primeiro a trabalhar nessa área na Bahia. Participa de diversos salões de humor, sendo premiados nos da Mackenzie, SP em 1971 e 1973. Participa ainda nos salões do Rio, Bahia, Piracicaba, Curitiba, entre outros. Em 1984 é premiado no Salão de Humor em Stutgart, Alemanha.
O talento do chargista conquistou um espaço excepcional num jornal que sempre escolheu a opinião pela noticia sem comentários. Cada dia novo que surge é sempre o primeiro dia para o jornal que sofreu investidas ferindo seu direito de pensar e agir livremente, mas continua resistindo. Antes de se debruçar sobre a prancheta, Lage, cercado de fatos por todos os lados, gasta uma hora diária com a leitura dos jornais locais e nacionais. Depois e só deixar o lápis correr sobre a folha de papel em branco. Mais uma hora e a charge sai finalizada em nanquim. O prazer do desenhista é descobrir detalhes de alguns políticos, seus defeitos, suas virtudes e ampliá-los para o publico leitor. Em sua trajetória, militou na imprensa nanica (independente, alternativa) dos tempos da ditadura, fez crônicas na TV e deu até aulas sobre desenhos de humor. Na trilha de humor de comportamentos, ele criou personagens impagáveis, fazendo a melhor crítica de costumes dos quadrinhos baianos.
Um comentário:
Maravilha de postagem!
Já resisi em Salvador no início da década de 1990 e sou admirador do traço do Lage. E antes mesmo deste período, já conhecia seu trabalho via imprensa alternativa daqui do Rio.
Justa homenagem!
Abraços e bons caminhos!
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