O livro aborda, além do religioso, os aspectos econômicos, políticos e geopolíticos das ações fundamentadas na tradição e suas conseqüências nas formatações de poder na sociedade contemporânea. A obra também fez a relação entre tais conseqüências e a luta feminista, travada por mulheres que brigam, por exemplo, por direitos sexuais e reprodutivos, barrados nas argumentações do fundamentalismo. No livro Nancy Pereira diz como o fundamentalismo está presente na espinha dorsal do império norte-americano e no próprio cristianismo ocidental, que chegou ao Brasil através dos colonizadores. A teóloga também discute a relação incestuosa entre o cristianismo e o modelo de civilização ocidental construído nos alicerces do capitalismo.
“Cinco mulheres morrem no Brasil a cada dia em abortos clandestinos (pelo menos). Na América Latina são 46 a cada dia. No mundo todo, a cada dia, morrem 500 mulheres. Morrem de abandono e medo. Morem porque ousam decidir. Morrem pela redução de argumentos éticos. Morrem pelas trocas de poder e influência entre Estado e Igrejas. Como se já não bastassem a fome,m o desemprego, a doença e o desespero de sobreviver. Morrem deste igrejismo estreito e repressivo incapaz do diálogo com as vivências concretas das mulheres. Morrem desse igrejismo disfarçado em políticas públicas do Estado. A igreja diz que é pecado. O Estado diz que é crime”. Para ela “o fundamentalismo é a expressão majoritária do cristianismo: sexista, autoritário, elitista e moralista” (...) “A religião é uma das linguagens primárias com maior capacidade de mostrar e esconder, de negar a pertença da voz no balbucio da prece, de dissimular o ordinário no extraordinário das revelações”.
Ao longo dos séculos, a teologia vem contribuindo no reforço do amor como vocação das mulheres. “As culturas modernas formataram o feminino como uma predisposição natural para o amor e seus afazeres. Assim, as mulheres estão encurraladas na sensibilidade sem escolha e assimiladas num imaginário caótico e irracional, enquanto os homens ocupam o lugar supostamente confortável do sexo sem amor” (...) “A mulher participa da linguagem amorosa como vítima, como sedutora ou como impossibilidade (...) Assim, entre assexuadas ou corriqueiras (como as esposas/mães), o cristianismo disputa com o mito do amor romântico no ocidente o controle dos discursos sobre as mulheres. Permanecer numa posição inacessível continua sendo uma das tarefas que a cultura ocidental cristã designa para as mulheres. Presas nos discursos do amor (materno, romântico, aos pobres, ao sagrado, à família, etc) ou nos modelos da sensualidade devoradora as mulheres são mantidas numa passividade necessária para a manutenção da hegemonia masculina”.
E é o que observamos nos capítulos a seguir como a música, poesia, literatura, cinema, quadrinhos apresentam a mulher seja no erotismo ou na pornografia. Nos meios de comunicação de massa (no imaginário musical, da telenovela e da propaganda, entre outros) o mito feminino é mostrado como imagem controladora. É preciso uma leitura crítica e criativa sobre esse discurso para desvendar os comprometimentos e as armadilhas da linguagem religiosa que participa no reforço da miséria amorosa em que se encontram homens e mulheres e sua relação com os mecanismos de expropriação e opressão.
Os símbolos e imagens, metáforas e relações que habitam no imaginário popular a partir das tradições bíblicas é uma mescla entre homens e mulheres cheios de ordenações e danações em seus corpos pecadores e mortais, uma visão simplificada e que continua nos dias atuais. É preciso desenvolver uma reflexão maior sobre tudo isso.
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