30 janeiro 2009

O número 1 dos quadrinhos (2)

Revolucionária no uso de elementos narrativos da linguagem dos quadrinhos que só viriam a ser “descobertos” no século seguinte e por adotar um estilo realista de desenho indo de encontro à estética cartunesca vigente no período, a saga de Zé Caipora começa com uma deliciosa comédia de erros e depois se transforma numa grande aventura, emocionante e realista onde o personagem aos poucos se revela um herói épico. Agostini experimenta ousadas diagramações de página, enquadramentos cinematográficos, grandes cenas panorâmicas, coloca os personagens em situação dramática e cria a primeira heroína universal dos quadrinhos: a índia Inaiá. Toda essa revolução pode ser apreciada no álbum As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros, um belíssimo trabalho organizado pelo professor Athos Eichler Cardoso e publicado pelo Senado Federal em 2002.

ZÉ CAIPORA
A segunda personagem fixa, Zé Caipora, praticamente mantém a mesma temática de Nhô Quim. Personagem que precede o Jeca, Pedro Malazartes, Macunaíma e outros famosos da galeria de ladinos brasileiros. Seu tipo físico é do caboclo de pés descalços, barriga proeminente e notável às situações mais escabrosas. As Aventuras de Zé Caipora ganharam as páginas da Revista Ilustrada em 1883. Interrompidas várias vezes, 35 capítulos foram republicados na revista Don Quixote, outros tantos inéditos sairiam em O Malho, até 15 de dezembro de 1906, quando as peripécias de Zé Caipora desapareceram para sempre.
Com esta criação, o nome de Agostini garantiu definitivamente um lugar de honra na história dos quadrinhos modernos. Segundo Eichler Cardoso, o sucesso do personagem deve-se a dois fatores principais: “o traço realista e a temática de aventuras, que deram dimensão e conteúdo psicológico à narrativa”. Caipora era uma palavra comum na segunda metade do século XIX, associada a pessoas fracassadas ou com pouca sorte.
Aventureiro, cômico e romântico, Caipora tornou-se popular rapidamente. Suas peripécias pelo interior do País e pelas florestas alimentavam a imaginação dos leitores. O traço fino e realista de Agostini dava vida a boiadeiros, onças, sucuris, macacos e índios. Além de inaugurar um estilo que inspirou quadrinhos das décadas seguintes, Ângelo Agostini criou cenas em dois planos, referência do teatro medieval, e também abriu caminho para a sensualidade, criado a primeira heroína dos quadrinhos: a índia Inaiá, protetora e guia de Zé Caipora, que, com os seios à mostra, representa o mito das amazonas.
Todo esse talento de Agostini, que José do Patrocínio considerava “o mais brasileiros dos brasileiros”, ficou relativamente esquecido a partir de 1910. Com o resgate e a publicação das histórias de Nhô Quim e Zé Caipora, a nova geração pode revê o pioneirismo do ilustrador Angelo Agostini. É bom lembrar que a nossa primeira história em quadrinhos de longa duração foi homenageado em elo dos Correios. A data inicial de sua publicação, 30 de janeiro, é hoje comemorada como o Dia do Quadrinho Nacional, e Angelo Agostini passou a ser, a partir de 1984, o nome do troféu que representa o mais importante prêmio concebido pela Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo.
“O mito do Menino Amarelo como primeiro personagem da história em quadrinhos, atravessado na garganta de muitos estudiosos, principalmente belgas e franceses, ficará abalado. Zé Caipora será a lenha na fogueira da contestação que ameaça extinguir-se por falta de combustível. Poderá o Menino Amarelo ser considerado o primeiro personagem e a primeira história em quadrinhos so porque tem balão e moldura?
Zé Caipora mostra tudo o que as modernas histórias em quadrinhos têm, antecipando-e em quase meio século às obras-primas de Hal Foster, com Tarzan e Príncipe Valente; Alex Raymond, com Flash Gordon e Jim das Selvas; e Roy Crane, com o Capitão César. Só não possui o balão, que os dois primeiros, também, não usaram”, conclui Athos Eichler Cardoso.
Agostini inovou o que existia em história em quadrinhos, substituindo a caricatura pelos desenhos realistas e o humorismo pela aventura de ação. Foi o primeiro a explorar o suspense,m deixando o leitor na expectativa ate o capítulo seguinte. A obra de Athos é uma justa homenagem ao primeiro herói dos quadrinhos de aventuras. Assim, o Brasil, até nos quadrinhos tem um passado que faz parte de sua identidade. Vale conferir.

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