29 janeiro 2009

O número 1 dos quadrinhos (1)

Há 140 anos, na revista Vida Fluminense, surgia a primeira história em quadrinhos no Brasil. Nhô Quim. Angelo Agostini (1843/1910) foi o mais importante artista gráfico do Segundo Reinado. Colaborou tanto com desenhos quanto com textos com as publicações O Mosquito, Vida Fluminense, Revista Ilustrada, Don Quixote, O Tico Tico, O Malho, Gazeta de Notícias, entre outros. Publicou, a 30 de Janeiro de 1869, Nhô-Quim, ou Impressões de uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e uma das mais antigas do mundo. Mais tarde publica outro personagem, Zé Caipora. Seu nome serviu de inspiração ao Prêmio Angelo Agostini, concedido anualmente pela Associação de Quadrinistas e Caricaturistas de São Paulo aos melhores do ramo e para a criação do Dia do Quadrinho Nacional. Agostini esteve à frente de sua época, criou um estilo, influenciou e tornou a caricatura, a sátira política e os quadrinhos parte de nossa nascente imprensa. Por esses feitos, o dia 30 de janeiro ficou instituído como o Dia do Quadrinho Nacional. Este artigo, de minha autoria, foi publicado no jornal A Tarde (21/07/2002)

Muito antes de a imprensa popular norte-americana tratar as histórias em quadrinhos como uma investigação estrangeira, o ilustrador ítalo-brasileiro Angelo Agostini fazia sucesso com histórias ilustradas em revistas do Brasil. Ele era republicano e abolicionista ferrenho, crítico contumaz dos militares, tendo criado espaço na imprensa nacional para a caricatura e a sátira política. Graças ao seu traço de excelente qualidade e uma percepção sutil da realidade brasileira, charges e caricaturas tornaram-se uma parte integrante da imprensa nacional.
A contribuição de Agostini para o desenvolvimento da história em quadrinhos no Brasil é inestimável, mas só agora ele ganha um trabalho primoroso, que, finalmente, ilumina a grandeza de sua obra. Trata-se do precioso álbum As Aventuras de Nhô-Quim e Zé Caipora – Os Primeiros Quadrinhos Brasileiros (1869-1883), pesquisa de Athos Eichler Cardoso, lançado pela Editora do Senado Federal. As imagens dessa edição sobre o trabalho de Agostini foram digitalizadas diretamente dos originais das coleções das revistas daquele período. A publicação traz um glossário com termos de época usados nas aventuras narradas por Agostini.
O fato é que vários países reivindicam o título de inventor das histórias em quadrinhos. Entre os precursores da “literatura em estampas” estão o inglês Thomas Rowlandson, criador do Dr. Sintaxe (1798); o suíço Rudolph Topfer, com Monsieur Vieux-Bois (1827); o alemão Wilhelm Busch, com os travessos Max e Moritz (1848), entre nós rebatizado de Juca e Chico; o francês Georges Coulomb e sua Famille Fenouillard (1889); e o norte-americano Richard Felton Outcault, com Yellow Kid (1896), considerada a primeira HQ moderna.

Para os puristas, narrativa ilustrada sem balões é pré-história em quadrinhos. Se tivesse balões, as aventuras de Nhô-Quim teriam antecipado, em quase 30 anos, o Menino Amarelo do americano Outcault e consagrado Agostini como o inventor do gibi. Mas ele foi, inegavelmente, um precursor.
PIONEIROS
Um dos pioneiros dos quadrinhos no mundo e um dos primeiros a criar essa arte no Brasil, Agostini publicou ilustrações na revista humorística O Diabo Coxo (1864). Dois anos depois, tornou-se colaborador regular da revista O Cabrião. Mais tarde, foi o editor. Em 1867, fez uma de suas primeiras experiências com histórias seriadas, chamada As Cobranças, já aplicando várias técnicas de quadrinhos. Depois de alguns problemas em São Paulo, como perseguição e ameaça de alguns “homenageados” por suas charges, mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital do Império e o grande centro das revistas ilustradas e da imprensa da época.
Agostini começou a colaborar com várias publicações. Na Vida Fluminense, em 30 de janeiro de 1869, o artista criou As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte, a primeira história em quadrinhos seriada com um personagem fixo do Brasil. Nhô Quim foi uma das primeiras armas para atacar a aristocracia da época. Ele era um caipira rico e atrapalhado enviado à Corte pela família. As histórias do personagem não poupavam críticas aos problemas sociais do País e alfinetavam de comerciantes a artistas.
Nhô Quim era um anarquista por vocação. Desajustado da vida cortesã, metia-se em confusões com toda espécie de gente: comerciantes, imigrantes, artistas, prostitutas, políticos e autoridades. Ele perdia tudo pelo caminho (chapéu, trem, roupas) e quase foi passado para trás por dois encartolados vigaristas que lhe empurraram falsas ações bancárias. Agostini fez nove páginas duplas, interrompendo sua publicação em 08 de janeiro de 1870, sem concluir as peripécias em que Nhô Quim estava metido. Dois anos depois, Cândido Aragones de Faria desenhou outras cinco páginas, imitando o estilo de Agostini, mas também suspendeu seu trabalho, em outubro de 1872, deixando mais um episódio sem concluir.
Nhô, aferética de sinhô, era o tratamento que os escravos davam aos senhores brancos. Nessa série, Agostini destacou-se pelo uso de recursos metalinguísticos ou de enquadramento inovadores para a época. Entre cada um dos episódios da série, o autor introduziu como que uma espécie de gancho, que deixava pressupor a continuidade no número seguinte do jornal. Essa modalidade narrativa funcionava muito bem como estratégia de marketing e como elemento de manutenção de uma clientela cativa de leitores, como já haviam descoberto os autores de folhetim alguns séculos antes e como descobririam os syndicates norte-americanos vários anos depois.

Um comentário:

Val disse...

A triste verdade é que o grande publico na da valor ou desconheçe o mercado e os artistas nacionais...