12 janeiro 2009

Consciência das palavras (1)

Em maio de 2000, Susan Sontag (1933/2004), uma das mais respeitadas intelectuais americanas, por ocasião do recebimento do prêmio Jerusalém, proferiu o seguinte discurso: “Nós, escritores, ficamos preocupados por causa de palavras. Palavras significam. Palavras apontam. São flechas. Flechas cravadas na pele dura da realidade. E quanto mais portentosa, mais geral for a palavra, mais também se parecerá com um quarto ou um túnel. Elas podem expandir-se, ou bater em retirada. Podem impregnar-se de mais cheiro. Muitas vezes nos farão lembrar outros quartos, onde gostaríamos de morar, ou onde olhamos que já estamos vivendo. Elas podem ser espaços onde não pode,os habitar, pois perdemos a arte ou a sabedoria para tal. E por fim aqueles volumes de intenção mental que não sabemos mais como residir serão abandonados, lacrados com tábuas, trancados”.

“O que queremos dizer, por exemplo, com a palavra ´paz´! Uma ausência de conflito! Um esquecimento! Perdão! Ou um grande cansaço, uma exaustão, um esvaziamento do rancor!. Parece-me que o que a maioria das pessoas entende por ´paz´ é a vitória. A vitória do seu lado. É isso o que ´paz´ significa para ´eles´, por enquanto, para os outros, paz quer dizer derrota”, disse no discurso ao receber o prêmio literário.

Já o filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard em sua obra “Senhas” (Difel, 2001) disse que “as palavras são portadoras, geradoras de idéias, mais não só porque transmitem essas idéias e aquelas coisas, mas porque elas próprias se metaforizam, se metabolizam umas nas outras, segundo uma espécie de evolução em espiral. É assim que elas são bateleiras de idéias. As palavras têm para mim extrema importância. Que elas têm vida própria e que são, portanto, mortais, é algo evidente para todo aquele que não se prende a um pensamento definitivo, de intenção edificadora. É o meu caso. Há na temporalidade das palavras um jogo quase poético de morte e renascimento: as metaforizações sucessivas fazem com que uma idéia se torne sempre algo mais e diverso do que antes era – uma ´forma de pensamento´. Pois a linguagem pensa, nos pensa e pensa por nós – quando menos tanto quanto nós pensamos através dela. Também aqui há uma troca, que pode ser simbólica, entre palavras e idéias. Acredita-seque progredimos impulsionados pelas idéias – pelo menos é esta a fantasia de todo teórico, de todo filósofo. Mas são igualmente as próprias palavras que geram ou regeneram as idéias, que fazem o trabalho de ´embreagens´. Nos momentos em que assim atuam, as idéias se entrelaçam, se misturam ao nível da palavra, que serve, então, de operadora – mas uma operadora não-técnica – em uma catálise em que a própria linguagem está em jogo. Isso faz dela um investimento pelo menos tão importante quanto as idéias”.

O poeta e prosador brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902/1987) escreveu em 1942 (José. “O lutador”. In Poesia completa): “Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encanta-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas acaricia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça”.

Já o poeta e pensador francês, Paul Valéry (1871/1945) disse: “É necessário mais espírito para prescindir de uma palavra do que para empregá-la”. O ensaísta e poeta austríaco Karl Kraus (1874/1936) afirmou: “Quanto mais de perto se encara uma palavra, com mais distância ela nos encara de volta”. É do filósofo e teórico inglês Jeremy Bentham (1749:1832) a citação: “E se o significado de todas as palavras, especialmente de todas as palavras pertencentes ao campo da ética, (...) algum dia vier a ser fixado! Que fonte de perplexidade, de erro, de discórdia, e até mesmo de derramamento de sangue não seria estancada!”.

O filósofo austríaco radicado na Inglaterra, Ludwig Wittgenstein (1889/1951) escreveu em 1940 (Culture and value): “Uma teologia que insiste no uso de determinadas palavras e frases, ao passo que proibi outras, em nada torna as coisas mais claras (...) Ela gesticulada com palavras, como se poderia dizer, porque deseja dizer algo e não sabe como expressa-lo. A praticada às palavras o seu significado”.

Já o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844/1900) disse: “São as palavras mais tranqüilas que trazem a tempestade”. E foi radical: “Deveríamos nos livrar, de uma vez por todas, da sedução das palavras!”, escreveu em 1886 em “Além do bem e do mal”. Mas em 2003 Adriana Falcão lançou seu Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento informando: “É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, se coloca entre o significante e o significado para dizer o que quer, dar sentimento às coisas, fazer sentido. (...) “A palavra nuvem chove. A palavra triste chora. A palavra sono dorme. A palavra tempo passa. A palavra fogo queima. A palavra faca corta. A palavra carro corre. A palavra palavra diz. O que quer. E nunca desdiz depois”.

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