Estamos dando continuidade a trechos importantes da obra “Cabeça de Porco” sobre o tráfico de drogas no Brasil:“Já se foi o tempo da glamourização do banditismo, em que se cultuavam os criminosos como se fossem heróis populares. Repito o que disse em capítulo anterior, para melhor trabalhar este ponto: houve um tempo, no Brasil da ditadura, em que Helio Oiticica podia conclamar à rebeldia, divulgando sua provocação subversiva: ´Seja marginal, seja herói`. A época obscurantista era um convite ao maniqueísmo. Vivemos um outro país, um mundo diferente. Hoje, o crime ameaça toda a sociedade, indistintamente, mas oprime com mais brutalidade justamente os mais pobres, aqueles que Oiticica buscava valorizar em sua ode à transgressão. Nada mais absurdo, hoje, do que a justificação do crime, em nome de um suposto compromisso democrático com classes populares (A Esperança como Dever)” .
“Violência é uma palavra que só na aparência é simples. Na verdade, guarda muitos sentidos diferentes. Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha, um olhar que desrespeita, um assassinato cometido com as próprias mãos, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, a indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com os idosos, a decisão política que produz consequências sociais nefastas, a desvalorização sistemática dos filhos por seus pais ou das mulheres por seus maridos, as pressões psicológicas exercidas no contexto de interações opressivas, a orientação econômica que se abate sobre setores da população como um desastre da natureza e a própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes. Por isso, falamos da violências das águas, do vento ou do fogo, e nos referimos às desigualdades sociais injustas ou ao abandono de crianças nas ruas como formas de violência. Por outro lado, quando um pai luta com alguém para salvar a vida de um filho, não o descrevemos como violento, nem entendemos como um exemplo de violência o uso defensivo e bem-intencionado que ele faz da própria força (Os Sentidos da Violência, a Criminalidade no Brasil e no Rio de Janeiro)”. (...)
“O Brasil é pródigo em manifestações das formas mais diversas de violência, inclusive e crescentemente, da criminalidade violenta. A sociedade brasileira, em seu conjunto, tem sido atingida pela violência. Todas as classes, etnias e faixas etárias têm compartilhado o risco de tornarem-se alvo de algum ato criminoso. Nesse sentido preciso, a violência criminal brasileira, em suas múltiplas formas, é ´democrática´: vítima homens e mulheres, pobres e ricos, negros e brancos, indistintamente”. (...)
“Ou seja, a criminalidade violenta é um problema de todos nós, brasileiros, mas é sobretudo o drama dos jovens, especialmente pobres e, particularmente, negros. Claro que há inúmeras tragédias envolvendo jovens de classe média. Mas todos os diagnósticos convergem e apontam a mesma concentração, não nos autorizando tergiversões. Na realidade, o problema é tão grave que já deixou sua marca na estrutura demográfica. Há um déficit de jovens, entre 15 e 24 anos, na sociedade brasileira – fenômeno que só se verifica nas estruturas demográficas de sociedade que estão em guerra. Portanto, o Brasil vive as consequências de uma guerra inexistente e, mais que qualquer outro, determinado setor social está pagando com a vida o preço dessa tragédia” (...)
“A obsessão deste livro, de um modo ou de outro, é a invisibilidade dos jovens, especialmente dos pobres e, mais especificamente, dos negros. Invisibilidade que é sinônimo de rebaixamento da auto-estima. Quando socialmente invisível, a maior fome do ser humano é a fome de acolhimento, afeto e reconhecimento. Pressionado por esta fome profunda, os jovens recorrem aos expedientes acessíveis, até à violência. Claro que a realidade é bem mais complexa e que há sempre muitos outros fatores em ação. Mas a tese da invisibilidade é forte o suficiente para justificar algumas propostas que dirigimos a você, à sociedade e aos governos. (Rasga Coração)” (...)
“Quando as escolas, as comunidades, a sociedade ou os governos proporcionam aos jovens das periferias e favelas aceso à criação cultural e à expressão artística, na prática, lhes oferecem um campo em que podem exercitar a própria subjetividade e expressividade, mostrando-se e inventando-se como pessoas, ante olhares atentos e respeitosos da audiência, que os valorizam pela mera atenção que prestam. Tudo isso é amplificado se uma câmera acende sua luzinha, anunciando que, atrás de si, está presente um auditório virtual ilimitado. A luzinha representa a atenção em si mesma. Esta atenção valoriza quem se sente ninguém, quem se sente invisível. Ela ilumina a alma e alimenta um saudável narcisismo inatingível. Fica faltando o afeto? È verdade. Mas a atenção é uma forma tosca de afeto. Um primeiro passo”.
“Violência é uma palavra que só na aparência é simples. Na verdade, guarda muitos sentidos diferentes. Pode designar uma agressão física, um insulto, um gesto que humilha, um olhar que desrespeita, um assassinato cometido com as próprias mãos, uma forma hostil de contar uma história despretensiosa, a indiferença ante o sofrimento alheio, a negligência com os idosos, a decisão política que produz consequências sociais nefastas, a desvalorização sistemática dos filhos por seus pais ou das mulheres por seus maridos, as pressões psicológicas exercidas no contexto de interações opressivas, a orientação econômica que se abate sobre setores da população como um desastre da natureza e a própria natureza, quando transborda seus limites normais e provoca catástrofes. Por isso, falamos da violências das águas, do vento ou do fogo, e nos referimos às desigualdades sociais injustas ou ao abandono de crianças nas ruas como formas de violência. Por outro lado, quando um pai luta com alguém para salvar a vida de um filho, não o descrevemos como violento, nem entendemos como um exemplo de violência o uso defensivo e bem-intencionado que ele faz da própria força (Os Sentidos da Violência, a Criminalidade no Brasil e no Rio de Janeiro)”. (...)
“O Brasil é pródigo em manifestações das formas mais diversas de violência, inclusive e crescentemente, da criminalidade violenta. A sociedade brasileira, em seu conjunto, tem sido atingida pela violência. Todas as classes, etnias e faixas etárias têm compartilhado o risco de tornarem-se alvo de algum ato criminoso. Nesse sentido preciso, a violência criminal brasileira, em suas múltiplas formas, é ´democrática´: vítima homens e mulheres, pobres e ricos, negros e brancos, indistintamente”. (...)
“Ou seja, a criminalidade violenta é um problema de todos nós, brasileiros, mas é sobretudo o drama dos jovens, especialmente pobres e, particularmente, negros. Claro que há inúmeras tragédias envolvendo jovens de classe média. Mas todos os diagnósticos convergem e apontam a mesma concentração, não nos autorizando tergiversões. Na realidade, o problema é tão grave que já deixou sua marca na estrutura demográfica. Há um déficit de jovens, entre 15 e 24 anos, na sociedade brasileira – fenômeno que só se verifica nas estruturas demográficas de sociedade que estão em guerra. Portanto, o Brasil vive as consequências de uma guerra inexistente e, mais que qualquer outro, determinado setor social está pagando com a vida o preço dessa tragédia” (...)
“A obsessão deste livro, de um modo ou de outro, é a invisibilidade dos jovens, especialmente dos pobres e, mais especificamente, dos negros. Invisibilidade que é sinônimo de rebaixamento da auto-estima. Quando socialmente invisível, a maior fome do ser humano é a fome de acolhimento, afeto e reconhecimento. Pressionado por esta fome profunda, os jovens recorrem aos expedientes acessíveis, até à violência. Claro que a realidade é bem mais complexa e que há sempre muitos outros fatores em ação. Mas a tese da invisibilidade é forte o suficiente para justificar algumas propostas que dirigimos a você, à sociedade e aos governos. (Rasga Coração)” (...)
“Quando as escolas, as comunidades, a sociedade ou os governos proporcionam aos jovens das periferias e favelas aceso à criação cultural e à expressão artística, na prática, lhes oferecem um campo em que podem exercitar a própria subjetividade e expressividade, mostrando-se e inventando-se como pessoas, ante olhares atentos e respeitosos da audiência, que os valorizam pela mera atenção que prestam. Tudo isso é amplificado se uma câmera acende sua luzinha, anunciando que, atrás de si, está presente um auditório virtual ilimitado. A luzinha representa a atenção em si mesma. Esta atenção valoriza quem se sente ninguém, quem se sente invisível. Ela ilumina a alma e alimenta um saudável narcisismo inatingível. Fica faltando o afeto? È verdade. Mas a atenção é uma forma tosca de afeto. Um primeiro passo”.
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