Há 90 anos morria em Viena (Áustria), com apenas 28 anos, um dos expoentes máximos do expressionismo austríaco, Egon Schiele. Durante a sua curta vida produziu uma obra importantíssima que define e prefigura, como nenhuma outra, a “malaise” de um século violento e trágico. Schiele foi um artista condenado por denunciar a corrupção de uma sociedade hipócrita e decadente, como Sade e Oscar Wilde. Ele expressou o horror do ser humano levado ao extremo da sua degradação.
Para Schiele a Natureza era tanto mais fascinante no período outonal das plantas em decomposição, no processo de desintegração. Explorou sem complacência a antevisão da morte em tudo, nas belas flores já ressequidas, nos traços de fome, de vício, de devassidão, de doença em corpos ainda jovens, nas visões alucinatórias de cidades imersas em escuridão. Muitos dos corpos masculinos e femininos que desenhou, angulosos, distorcidos e de uma atroz magreza, parecem antecipar os horrores dos campos de concentração. Mas a sua sensualidade demonstra bem a fome do sexo e a ânsia do ser humano de sobreviver a todas as tragédias.
As imagens intensas e distorcidas de Schiele são inflexíveis na expressão de sentimentos humanos. Profundamente afetado pelas explorações do inconsciente, a obra de Schiele dava forma às suas próprias ansiedades e inseguranças. A sua carreira foi breve, e muitas das suas obras contêm sexo explícito, o que levou o artista à prisão por "fazer desenhos imorais". A aguda intensidade nervosa de seu estilo tornou-o um dos mais importantes pintores expressionistas, embora ele nunca tenha se identificado formalmente com o movimento. Schiele morreu prematuramente de influenza, no momento em que seu trabalho começava a ser reconhecido. Egon Schiele nasceu em Tulin em 1890 e morreu em Viena em 1918, vítima de tuberculose.
O ambiente onde ele vivia, Viena, era capital do império austro-húngaro, um lugar de grande efervescência cultural. Apesar dos ricos salões e das grandiosas festas, grassavam a fome, as doenças e a pobreza extrema, criando um clima de catástrofe que culminou na 1ª Guerra Mundial. Nesse ambiente de contrastes, floresceram a arte, a ciência, a filosofia, a literatura, a música, a arquitetura. Foi nessa Viena, em que conviviam Sigmund Freud, Ludwig Wittgenstein, Arnold Schoenberg, Alban Berg, Anton von Webern, Gustav Mahler, Robert Musil, Karl Kraus, Stefan Zweig, Otto Wagner, Adolf Loos, Josef Hoffman, e muitos outros, que Schiele se instalou, aos 17 anos, sob a proteção de Gustav Klimt (1862-1918).
A histeria era a doença da moda. Para os literatos, o suicídio era ponto de exclamação. No ar vienense, o escritor Stefan Zweig farejou uma "perigosa infecção sexual". E o novelista Robert Musil decretou que, na "cidade dos sonhos", ninguém "saía às ruas como um todo". Egon Schiele cruzou esse terreno escorregadio por uma trajetória pessoal. Estudante, pintava nua a irmã. Casado, com carreira feita, tirou a roupa e provavelmente algo mais de sua cunhada Adele. Quatro dias antes de morrer, desenhou a agonia de sua mulher. Foi preso em 1912 por corrupção de menores e condenado por obscenidade. Entrou como aluno precoce para a Academia de Belas Artes, mas largou o curso no meio por incompatibilidade com os professores. Tinha arranjado uma vaga no círculo oficial de artistas consagrados quando a umidade do estúdio o matou, durante a epidemia de gripe espanhola, que fez mais baixas do que as trincheiras de 1918. Tal era sua capacidade de encenar autonomamente a própria tragédia que uma catástrofe coletiva como a I Guerra passa por sua biografia de viés. Como soldado, serviu em almoxarifados e retratou prisioneiros russos num campo de confinamento perto de Viena.
Enquanto Klimt, mais ligado ao Simbolismo e à chamada Arte Nova, mostrava o lado imperial da sociedade vienense, Schiele desenhou e pintou a crueldade de um mundo em adiantado estado de decomposição. O caráter explicitamente sexual e obsessivo das suas obras, as suas relações eróticas, ambíguas, valeram-lhe uma denúncia pública. Preso, Schiele produziu uma enorme quantidade de auto-retratos e colocou-se no papel de vítima injustiçada, afirmando sentir-se “purificado” por aquela provação.
As tendências narcisistas do artista foram aumentando de intensidade até a sua morte em outubro de 1918. Sua obra passou a maior parte do século sem sair de Viena, enfiada em pinacotecas particulares, tapada do público com pudores que o autor nunca teve. A temática é difícil, diante do erotismo cru e intenso. Ele pintou para atacar a convenção de que no corpo humano a cabeça fica acima do sexo. Como isso é questão de perspectiva, ele tinha recursos de sobra para obrigar o espectador a encarar o outro ponto de vista, grudando-lhe os olhos com traços e cores no foco de suas obsessões sexuais. Quem olha sua obra com atenção, muda de opinião. A nudez do ser humano que ele pintava era mais preciso do que qualquer fotografia, basta observar seus auto-retratos.
Sua vida foi curta e trágica e sua carreira inteira não cobre uma década. Nela, produziu 300 telas e 3.000 desenhos num mercado em que esteve a maior parte do tempo entalado. Morreu aos 28 anos de gripe espanhola, depois de passar incólume como soldado pela I Guerra, servindo na retaguarda em repartições burocráticas do Exército imperial. "Certamente, eu fiz pinturas que são horríveis, não nego isso, mas será que as pessoas acreditam que eu gosto de fazer as coisas desse modo para horrorizar a burguesia? Não. Isso nunca foi o caso. Mas o desejo tem seus fantasmas. Eu não pintei esses fantasmas por prazer. Pintei porque essa era a minha obrigação", revelou o artista.
Apesar de sua muito curta vida (afinal, ele morreu com 28 anos), Egon Schiele se confunde com toda a vaga expressionista da Áustria. Sempre com o dedo acusador em direção a uma sociedade corrupta, Schiele teria em Oscar Wilde um par na literatura. Na música, eu estaria tentado a apontar Handel como uma espécie de precursor, ainda que em mundos muito distintos. Não tendo sido um inovador nato nem tão-pouco um revolucionário, Handel era muito viajado e deixava transpirar essas influências em suas composições. Por qualquer motivo, vendo essas gravuras de sexualidade latente de Schiele, não consegui deixar de pensar em Handel. Olha, fica o desafio: dá uma olhada nessa rádio para ouvir música dele e concorda ou discorda do que eu escrevi
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