07 maio 2008

Loucura, a volta ao instinto livre

O louco já foi transformado em personagem em várias épocas e manifestações artísticas. De Machado de Assis ao cinema hollywoodiano, dos quadrinhos de Maurício de Souza à tragédias gregas, das artes plásticas ao teatro do absurdo surgiram muitas histórias das razões da loucura. O pensador francês Michel Foucault citou a frase em que Dostoievski diz que “não é trancando seu vizinho que você se convence da sua própria loucura”. Ele mostra é que uma sociedade como a nossa tem uma incapacidade mental de conviver com o diferente. O louco é a diversidade represada. Criadora do Museu de Imagem do Inconsciente, no Rio, a doutora Nise da Silveira concorda ao afirmar que “louca é a sociedade, basta olharmos à nossa volta. Os loucos têm muito mais juízo do que a maioria das pessoas”.

As três grandes correntes de interpretação sobre a loucura surgem na Antiguidade Clássica. Homero inaugura a corrente mítica que atribui tudo o que acontece ao homem à vontade dos deuses. Depois tem Eurípedes e os trágicos onde a loucura aparece como uma exacerbação das paixões, e sua causa está no conflito entre a proibição e a norma, o desejo e a função. A última corrente é representada por Hipócrates que passa a entender o louco como alguém que sofre de um mal orgânico.

Com o tempo, as concepções de Homero foram reeditadas, de forma corrompida, pelos padres demonistas da Idade Média.E assim os deuses se transformariam em diabos e o homem seria culpado por seu desvio. A cura da loucura muitas vezes era a fogueira purificadora da Inquisição. Já as idéias de Hipócrates seriam reaproveitadas pelos alquimistas, ainda na Idade Média, e pela medicina do século XIX. As duas linhas permaneceriam em evidência até hoje. A primeira, no esoterismo que se propõe como remédio. E a segunda, na própria psiquiatria.

Mas teve um filósofo que foi soterrado pelo racionalismo platônico: Eurípedes, ele foi o único que não deixou sucessor. Até hoje, ninguém, recuperou plenamente a idéia de que a loucura pode surgir do lado emocional do ser humano. Freud foi um possível sucessor do autor de “Medeia”. Ele se aproximou da emoção mas não chegou a reaproveitar a idéia da loucura como uma explosão da passionalidade. Freud não tem uma teoria sobre a loucura. A loucura é a volta ao instinto livre, que procura o prazer desavergonhadamente, sem culpa. E Freud ainda apresenta uma visão médica, não consegue perceber que a cultura violenta o instinto.

A sociedade hoje classifica a loucura ou insânia como uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados "anormais" pela sociedade. É resultado de doença mental, quando não é classificada como a própria doença. A verdadeira constatação da insanidade mental de um indivíduo só pode ser feita por especialistas em psiquiatria clínica. Em algumas visões sobre loucura, não quer dizer que a pessoa está doente de mente, mas pode simplesmente ser uma maneira diferente de ser julgado pela sociedade. Na visão da lei civil, a insanidade revoga obrigações legais e até atos cometidos contra a sociedade civil com diagnóstico prévio de psicólogos, julgados então como insanidade mental


O Elogio da Loucura é um ensaio escrito em 1509 por Erasmo de Roterdã em 1509 e publicado em 1511. O Elogio da Loucura é considerado um dos mais influentes livros da civilização ocidental e um dos catalizadores da Reforma Protestante. O livro começa com um aspecto satírico para depois tomar um aspecto mais sombrio, em uma série de orações, já que a loucura aprecia a auto-depreciação e passa então a uma apreciação satírica dos abusos supersticiosos da doutrina Católica e das práticas corruptas da Igreja Católica Romana. O ensaio termina com um testamento claro e por vezes emocionante dos ideais cristãos.

O ensaio é repleto de alusões clássicas escritas no estilo típico dos humanistas do Renascimento. A Loucura se compara a um dos deuses, filha de Plutão e Frescura, educada pela Inebriação e Ignorância, cujos companheiros fiéis incluem Philautia (amor-próprio), Kolakia (elogios), Lethe (esquecimento), Misoponia (preguiça), Hedone (prazer), Anoia (Loucura), Tryphe (falta de vontade), Komos (destempero) e Eegretos Hypnos (sono morto).

A loucura como parte integrante da própria razão: eis uma proposição tão espantosa que se resiste a aceitar. Mas fácil defini-la como doença mental ou desvio social. Pois é da relação loucura/razão que trata João Frayze-Pereira (no livro O que é loucura), demonstrando que a determinação dos estados "normal" e "patológico" depende menos da ciência que da cultura e da sociedade. O assunto rende debate. Pensem na loucura, pois!.

2 comentários:

  1. Anônimo12:14 AM

    Este assunto sem dúvida foi, é e será inconcluível, pois primeiramente o que é "ser normal"? o que "loucura"? até que ponto alguém é considerado um normal? será que é do mesmo ponto de partida da loucura?
    Somente surgem perguntas e não respostas.

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  2. Você está certo, mas quando se escreve sobre determinado assunto, é necessário ter um foco, a partir daí espalhar todas as vertentes. A questão da normalidade hoje em dia ficou mais fragilizada pela questão da contemporaneidade. Hoje tudo é discutível, questionado à luz dos mais diversos ângulas. Antigamente não, "eles" determinavam o que era certo e o errado, o feio e o bonito, o claro e o escuro. Hoje há vemos mais cores nisso tudo, o cinza,o gelo, o meio tom. E há possibilidade de misturar tudo. Você pode ser um e todos aos mesmo tempo.

    Gutemberg

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