15 abril 2008

Solidão, mal do século XXI?

“Eu sozinho sou mais forte/minh'alma mais atrevida/não fujo nunca da vida/nem tenho medo da morte//Eu sozinho de verdade/encontro em mim minha essência/não faço caso de ausência/e nem me incomoda a saudade//Eu sozinho em estado bruto/sou força que principia/sou gerador de energia/de mim mesmo absoluto//Eu sozinho sou imenso/não meço nunca o meu passo/não penso nunca o que faço/e faço tudo o que penso//Eu sozinho sou a Esfinge/pousado no meio do deserto/que finge que sabe o que é certo/e sabe que é certo que finge//Eu sozinho sou sereno/e diante da imensidão/de toda essa solidão/o mundo fica pequeno//Eu sozinho em meu caminho/sou eu, sou todos, sou tudo/e isso sem ter contudo/jamais ficado sozinho”. A composição é de Paulo César Pinheiro. Conviver o dia a dia com tanta gente e ao mesmo tempo se sentir solitário parece um paradoxo social contemporâneo. Mas são muitas as situações geradoras de solidão. Há solidão gerada pelo próprio poder, solidão decorrente da riqueza, solidão dos bem e mal casados, solidão imposta pelo trabalho atomizado, solidão da criança cujos pais são egoístas ou inafetos, solidão dos velhinhos rejeitados com suas memórias e, muitas vezes, abandonados nos asilos esquecidos dos familiares, solidão da loucura, dos internos, dos hospitais psiquiátricos, solidão dos enfermos hospitalizados ou dos desempregados.

Muitas pessoas solitárias justificam seu “desejo de privacidade” escolhendo “viver sozinhas porque gostam de liberdade”, “prefere viver sozinha do que mal acompanhadas”. A tendência individualista de nossa época reforça o temor de conviver com as diferenças humanas, afinal, morar junto implica, sobretudo, sermos tolerante, compreender o outro, termos que dividir espaços e coisas e aceitar conferir a todo momento que o outro não nos preenche.

Há quem use a solidão como tempo de inspiração, análise e programação. É o recolhimento ao próprio íntimo. De vez em quando é preciso estar só. Ao sair da África até a Bahia o navegador Amyr Klink passou dias sozinho em sua pequena embarcação. Perguntaram-lhe se a solidão não teria sido seu maior obstáculo. Ele respondeu que nunca estivera só porque muitos torciam por ele e o que fazia lhe dava prazer. Quem age dessa forma não dá espaço para a solidão.

Há diferença entre viver sozinho “por opção” e o isolamento social obrigatório. No primeiro, a escolha é consciente e deliberada viver solitariamente, já que no segundo existe a imposição do destino ou das circunstâncias. O escritor, por exemplo, precisa estar sozinho para se concentrar e produzir seu texto. Também para ler, refletir, escrever, é preciso estar sozinho. Há diversas funções profissionais cujo isolamento social é condição sine que non para bem exercer a função. Ocupação é o antídoto para a solidão.

O filósofo Gaton Bachelard questiona: “Como se comporta sua solidão? Esta pergunta tem mil respostas. Em que recanto da alma, em que recanto do coração, em que lugar do espírito, um grande solitário está só, bem só? Só? Fechado ou consolado? Em que refúgio, em que cubículo, o poeta é realmente um solitário? E quando tudo muda também segundo o humor do céu e a cor dos devaneios, cada impressão de solidão de um grande solitário deve achar sua imagem (...) Um homem solitário, na glória de ser só, acredita às vezes pode dizer o que é a solidão. Mas a cada um cabe uma solidão (...) As causas da sua solidão não serão nunca as causas da minha”. E conclui: “A solidão não tem história”.

Viver no século 21, superestimulados por informações, contatos, internet, celular, ampliando a possibilidade de encontrar-mos e sermos encontrados, que fica cada vez mais difícil de estarmos sós, com nós mesmos. A solidão é malvista, as pessoas que ficam mais sozinhas são consideradas excluídas, ou diferentes, excêntricas. Para o psicoterapeuta Flávio Gikovate, o mundo atravessa um momento histórico em que a pressão por uma vida acompanhada está deixando de existir. "Cada vez mais as pessoas estão se encaminhando para existências solitárias. Desaprendeu-se bastante a conviver a dois, por exemplo, e assume-se a opção de ficar solteiro. É um fenômeno social, a humanidade está se adaptando à solidão", analisa. "Basta olhar ao redor para comprovar isso. As pessoas andam sozinhas, dançam sozinhas. A mulher solitária de hoje não é mais uma solteirona trancada num quarto de pensão. Tudo está mudando.". Para ele, a capacidade de conviver bem com a solidão tem a ver, principalmente, com maturidade. "E só amadurecemos nos expondo a situações de dor. Isso aumenta nossa tolerância à frustração", explica.

O sucesso social é medido pela quantidade de vezes que alguém é visto e com quem. Mas dentro de nós há duas forças essenciais para nossa sobrevivência e bem-estar, que são poderosas e interdependentes: estar só e relacionar-se. O sono é uma forma natural de nos garantir isolamento, para repormos nossas forças e descansarmos já que a vida urbana nos proporciona poucas chances de ficarmos sós. Quando se está só há chances de avaliar como está a vida e como estão os relacionamentos. Isolamento nem sempre significa solidão. Há pessoas que precisam subir montanhas, outras a se embrenhar nos matos, ou simplesmente colocar seu walkman nos ouvidos. Para saber de quanto e de qual espaço você precisa, é bom passar um tempo sozinho, observando como se sente. A reclusão é importante para o processo criativo. É preciso abolir a idéia de que a solidão é negativa e de que pessoas sozinhas não podem viver bem. Agora é preciso distribuir seu tempo de forma adequada e positiva. Para os que vivem acompanhados, vale aprender a valorizar os momentos de quietude, de contemplação.

O que é solidão? Ausência de companhia, de pessoas à nossa volta? Estar longe das civilizações? Mais grave do que estar só é sentir-se só. Solidão, mais do que estar só, é a insatisfação da pessoa com a vida e consigo mesma. O filósofo alemão Martin Heidegger afirmou que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada um de nós é só no mundo. É como se o nascimento fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte.


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