O Estado e a sociedade estão divorciados? Essa questão vem sendo discutida há muitos anos e para muitos estudiosos e pesquisadores, a origem do problema vem de Portugal, onde o condado nasce antes da sociedade portuguesa. Assim o Estado vampírico com seus agentes de monopólio explora a terra e seu povo, e do outro lado, a massa esgotada de explorados. Nessa situação a Igreja se envolve para que o povo se torne cada vez mais obediente. Assim o Estado mantêm seu domínio sobre as pessoas.
Foi dessa organização privilegiada entre a coisa pública e coisa privada responsáveis pelas crises, conflitos e perturbações por que passa o país constantemente. Com tudo controlado só restava ao povo um cipoal de leis a encobrir a incompetência de administradores de ambos os lados do Atlântico. A ordem pública portuguesa estruturou-se na colônia americana sobrepondo o indivíduo como coisa distante de cada um e de todos, das jornadas da realidade imediata.
As poucas e precárias relações com o Estado passam por uma rede de clientelismo e/ou nepotismo que permitiu a uns adaptar-se e, a outros, tentar sobreviver. Na historiografia do mundo ibérico o clientelismo era ponto alto, constituindo numa teologia de graça e da caridade. Ou seja, o fundamento moral da organização de relações sociais obedecia ao paradigma da administração doméstica. Rei e senhores cumpriam obrigações paternas em relação aos seus súditos. Era dando que se recebia. Na tradição ibérica o rei forte foi o pai da burocracia fidalga, que controlou a Igreja e teve a seu dispor a Ordem da obediência – a Companhia de Jesus. A idéia do Estado forte projetou-se na consolidação do Estado imperial brasileiro.
No Brasil foram os senhores de engenhos que deram continuidade ao nepotismo como base de suas ações. Nos primórdios da colonização da América portuguesa o plantio da cana veio substituir a simples extração de recursos naturais. Os senhores de engenho ocupavam os postos de comando nas Câmaras e suas ações arbitrárias caiam geralmente sob as costas de arredatários, meeiros e lavradores. A manipulação das alianças familiares para resolver os problemas domésticos era constante, uma vez que os juízes eram caudatários de ordens dadas por potentados locais, ou enviadas diretamente da Corte. A vinda do Monarca ao Brasil acentuou o desprestígio dos senhores de canas. Quem antes fora Deus, era agora pobre Diabo. Assim, os descendentes dos poderosos e decadentes senhores de cana compraram máquinas a vapor e aderiram à mão de obra livre para sobreviver. Outros foram buscar nos filhos ou nos genros deputados, ministros e funcionários públicos o apoio que lhes dera outrora a rede clientelar com o estado. A relação entre Estado e sociedade, desta forma, tem sido marcada por um trânsito de mão única.
As raízes portuguesas (patrimonialismo) resultaram na formação política do Brasil. Na Monarquia todas as terras são do rei que controla os cargos distribuindo-os segundo seus interesses. Para a administração do Estado, cria-se um “estamento burocrático” (estamento significa grupos de status determinado pelas honras), composto por um corpo de funcionários que, a exemplo do rei, tende a confundir a administração da coisa pública com o favorecimento de interesses particulares. Um seleto grupo de membros partilha a mesma visão de mundo onde os prejuízos são igualitariamente distribuídos e os lucros zelosamente concentrados. As terras pertencem ao rei, assim como a máquina estatal. Assim, logo após a independência e a Proclamação da República, a elite de funcionários do Segundo Reinado continuara atuante. A permanência de determinados grupos no comando da política e da economia brasileira representa uma rara lição de longevidade. Muda o regime, o tempo passa, ditaduras vão e vêm, mas certos grupos demonstram habilidade de preservar o poder.
Entre o rei e os súditos não há intermediários. Um comanda e todos obedecem. O rei possuía celeiros e adegas espalhados por seus domínios e utilizava funcionários para a cobrança de foros e rendas. O rei português era o senhor de tudo. Nessa monarquia patrimonial, a aristocracia não passava de um corpo de funcionários públicos a serviço do rei. Assim, o interesse dos colonizadores, ao virem para a América, era melhorar sua posição no estamento português, galgar os postos da administração e cumular-se e à sua família de honrarias. Quando a Corte portuguesa veio para o Brasil, D. João VI começou a conceder títulos honoríficos pára aliciar apoios, tal qual fazia a monarquia portuguesa em outros tempos.
A nossa sociedade tem um cotidiano marcado por contradições entre o público e o privado, entre as ambições individuais e os deveres coletivos. E no campo de ação dos intermediários (senhores de engenho, comerciantes, industriais, políticos, economistas) entre Estado e sociedade, foram eles que fizeram essa ponte de laços pessoais e capazes de prosperar infinitamente num laço de alianças internas e métodos de cooptação impressionante. Até hoje funciona dessa forma. Fica difícil uma mudança.
Quem desejar conhecer mais profundamente esses assuntos vale conferir os livros Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos, organização de Mary del Priore (Editora Campus), O Futuro Chegou, de Maílson da Nobrega (Editora Globo) e As Identidades do Brasil, de José Carlos Reis (FGV Editora).
Foi dessa organização privilegiada entre a coisa pública e coisa privada responsáveis pelas crises, conflitos e perturbações por que passa o país constantemente. Com tudo controlado só restava ao povo um cipoal de leis a encobrir a incompetência de administradores de ambos os lados do Atlântico. A ordem pública portuguesa estruturou-se na colônia americana sobrepondo o indivíduo como coisa distante de cada um e de todos, das jornadas da realidade imediata.
As poucas e precárias relações com o Estado passam por uma rede de clientelismo e/ou nepotismo que permitiu a uns adaptar-se e, a outros, tentar sobreviver. Na historiografia do mundo ibérico o clientelismo era ponto alto, constituindo numa teologia de graça e da caridade. Ou seja, o fundamento moral da organização de relações sociais obedecia ao paradigma da administração doméstica. Rei e senhores cumpriam obrigações paternas em relação aos seus súditos. Era dando que se recebia. Na tradição ibérica o rei forte foi o pai da burocracia fidalga, que controlou a Igreja e teve a seu dispor a Ordem da obediência – a Companhia de Jesus. A idéia do Estado forte projetou-se na consolidação do Estado imperial brasileiro.
No Brasil foram os senhores de engenhos que deram continuidade ao nepotismo como base de suas ações. Nos primórdios da colonização da América portuguesa o plantio da cana veio substituir a simples extração de recursos naturais. Os senhores de engenho ocupavam os postos de comando nas Câmaras e suas ações arbitrárias caiam geralmente sob as costas de arredatários, meeiros e lavradores. A manipulação das alianças familiares para resolver os problemas domésticos era constante, uma vez que os juízes eram caudatários de ordens dadas por potentados locais, ou enviadas diretamente da Corte. A vinda do Monarca ao Brasil acentuou o desprestígio dos senhores de canas. Quem antes fora Deus, era agora pobre Diabo. Assim, os descendentes dos poderosos e decadentes senhores de cana compraram máquinas a vapor e aderiram à mão de obra livre para sobreviver. Outros foram buscar nos filhos ou nos genros deputados, ministros e funcionários públicos o apoio que lhes dera outrora a rede clientelar com o estado. A relação entre Estado e sociedade, desta forma, tem sido marcada por um trânsito de mão única.
As raízes portuguesas (patrimonialismo) resultaram na formação política do Brasil. Na Monarquia todas as terras são do rei que controla os cargos distribuindo-os segundo seus interesses. Para a administração do Estado, cria-se um “estamento burocrático” (estamento significa grupos de status determinado pelas honras), composto por um corpo de funcionários que, a exemplo do rei, tende a confundir a administração da coisa pública com o favorecimento de interesses particulares. Um seleto grupo de membros partilha a mesma visão de mundo onde os prejuízos são igualitariamente distribuídos e os lucros zelosamente concentrados. As terras pertencem ao rei, assim como a máquina estatal. Assim, logo após a independência e a Proclamação da República, a elite de funcionários do Segundo Reinado continuara atuante. A permanência de determinados grupos no comando da política e da economia brasileira representa uma rara lição de longevidade. Muda o regime, o tempo passa, ditaduras vão e vêm, mas certos grupos demonstram habilidade de preservar o poder.
Entre o rei e os súditos não há intermediários. Um comanda e todos obedecem. O rei possuía celeiros e adegas espalhados por seus domínios e utilizava funcionários para a cobrança de foros e rendas. O rei português era o senhor de tudo. Nessa monarquia patrimonial, a aristocracia não passava de um corpo de funcionários públicos a serviço do rei. Assim, o interesse dos colonizadores, ao virem para a América, era melhorar sua posição no estamento português, galgar os postos da administração e cumular-se e à sua família de honrarias. Quando a Corte portuguesa veio para o Brasil, D. João VI começou a conceder títulos honoríficos pára aliciar apoios, tal qual fazia a monarquia portuguesa em outros tempos.
A nossa sociedade tem um cotidiano marcado por contradições entre o público e o privado, entre as ambições individuais e os deveres coletivos. E no campo de ação dos intermediários (senhores de engenho, comerciantes, industriais, políticos, economistas) entre Estado e sociedade, foram eles que fizeram essa ponte de laços pessoais e capazes de prosperar infinitamente num laço de alianças internas e métodos de cooptação impressionante. Até hoje funciona dessa forma. Fica difícil uma mudança.
Quem desejar conhecer mais profundamente esses assuntos vale conferir os livros Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos, organização de Mary del Priore (Editora Campus), O Futuro Chegou, de Maílson da Nobrega (Editora Globo) e As Identidades do Brasil, de José Carlos Reis (FGV Editora).
Nenhum comentário:
Postar um comentário