06 março 2008

Heroínas da Disney refletem os valores sociais

Nos desenhos animados de Walt Disney os roteiristas se baseiam num conto de fadas e manipulam os personagens para refletir os valores sociais. As histórias dos contos de fadas – Branca de Neve, Bela Adormecida e Cinderela – eram lindas e puras, e enfrentavam as adversidades com inocência e lágrimas. Sabiam que um dia seu príncipe iria chegar. Elas foram produtos de suas próprias épocas.

Depois de ter protagonistas chinesas, havaianas, indianas, ciganas e árabes, a Disney lançará em 2009 sua primeira princesa afro-americana. Tiana será a personagem principal de The Princess and the Frog, no musical que se passa na cidade de Nova Orleans, em pleno auge do jazz. Os estúdios divulgaram a primeira imagem do longa, que narra o conto de fadas da menina que vive no Quarteirão Francês, nas margens do rio Mississipi, e deve trazer ainda músicas de origem africana e manifestações da cultura local, como os feitiços e rituais.

Branca de Neve, produto dos anos 30, era infantil e passiva. Cinderela, a ingênua dos anos 50 acreditava que sua bondade seria recompensada pelo casamento. Encarnavam ternura e passividade. “Elas eram heroínas-vítimas. Não importa o que sua madrasta horrorosa fizesse, elas sempre acreditavam que alguém viria salvá-las. Era sua crença em sua pureza que possibilitava sua salvação”, conta Linda Wollverton, que escreveu o roteiro de A Bela e a Fera e um esboço do roteiro de Aladdin.

Mas as coisas mudam. A nova geração de mulheres Disney – Ariel, A Bela, Jasmine – prefere abordar seus problemas de forma ativa. Ariel, de A Pequena Sereia foi uma das primeiras. Ela desafia seu pai e vai atrás do homem de seus sonhos em lugar de esperar que ele apareça por conta própria. A sereia teen, uma ruivinha esperta, lançada em 1989, quer mesmo fazer parte do mundo humano, e troca sua bela voz por pernas e vai atrás do seu príncipe. Mesmo fazendo suas próprias opções, as feministas se queixaram de todos os esforços de Ariel – abrir mão de sua voz, abandonar seu lar marítimo – visavam apenas conseguir o príncipe em lugar de, por exemplo, abrir sua própria loja de novidades aquáticas.

A reação surpreendeu os executivos da Disney. Determinada a não ser criticada outra vez, a Disney fez de sua heroína seguinte, a Belle de A Bela e a Fera (1991), uma mulher liberada (para uma França do século 17), morena, forte e contemporânea. Alvo das atenções de toda a cidade porque lê livros, é a primeira heroína de Disney com dotes literários, uma musa cabeça. Ela busca aventuras e foge das atenções do ostentador Gaston.

A Bela e a Fera ignora quase totalmente o conto de fadas original e em seu lugar cria uma heroína esperta e independente que faz um papel visivelmente mais interessante do que outras heroínas anteriores – verdadeiras caçadoras de maridos – de Disney. Belle enfrenta os obstáculos do provincianismo e luta corajosamente contra os lobos na floresta. Ela jamais é vista brincando com bichinhos, limpando a casa ou costurando vestidos. Belle é a única a enxergar a bondade que existe debaixo da superfície medonha da fera, é curiosa e, em última instância, heróica: seu amor transforma a fera e a salva. O filme mostrou que é possível existir uma heroína com tutano no cérebro.

Jasmine, do desenho Aladdin (1992) está mais interessada em liberdade do que num marido bonito. Mulher madura, morena e espevitada. Filha de um sultão e objeto do amor de Aladdin, ela não quer se casar com um príncipe, quer aventuras e liberdade. Mas Jasmine acaba sendo salva de um triste destino por Aladdin – o herói evidente da história. Mesmo assim a personagem agradou ao público pela sensualidade e inconformismo diante do destino. Mark Henn, o supervisor de animação responsável por Ariel em A Pequena Sereia e Belle em A Bela e a Fera, foi encarregado de criar a protagonista de Aladdin. Segundo ele, Jasmine é seu personagem favorito entre essas três, “cada uma delas tem uma personalidade completamente diferente”, explica Henn a cerca de suas três mulheres de animação. “Jasmine é a mais diferente de todas; e bem mais temperamental que Belle, e menos ingênua que Ariel”.

Os desenhos seguintes mostram mulheres decididas como a índia Pocahontas (1995), independente e decidida, como pede a mais adulta história infantil dos estúdios Disney. O amor interracial de Pocahontas por John Smith impede o derramamento de sangue entre ingleses e índios. Ou mesmo a liberada cigana Esmeralda de O Corcunda de Notre Dame (1996). Os carnudos e insinuantes rabiscos cinematográficos da beldade cigana é o ponto máximo do processo de emancipação por que as protagonistas animadas da Disney vêm passando no conteúdo – corajosas, livres e voluntariosas – e na forma – morena de cabelos longos, pernas compridas, formas definidas, movimentos sensuais – nestes últimos anos. A dançarina Esmeralda é a atração do terrível Frollo. Essa atração que deflagra o principal conflito de O Corcunda de Notre Dame. Os desejos do juiz vilão é um dos destaques do filme, mas o fascínio de Esmeralda é do supervisor de animação Tony Fuclle que transforma os movimentos da heroína em atrações tão grandes quanto os vôos acrobáticos de Quasímodo ou a impressionante arquitetura da catedral de Notre Dame.

Já Mégara, ou Meg para os íntimos, no filme Hércules (1997), é uma heroína bem diferente do padrão Disney. Despachada e geniosa, ela tem um passado romântico e definitivamente não está atrás de um novo amor – isto é, até encontrar Hércules. Apaixona-se por ele, porém, é um problema dos grandes: Meg é, na verdade, a arma secreta do vilão Hades contra Hércules. Conseguirá Meg escapar da trama do ardiloso bandido para cair nos braços de Hércules? O desenho dirá! (Gutemberg Cruz)

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