16 agosto 2021

A lírica agreste do Ser-Tão Profundo

 

Denso, profundo, árido, mas ao mesmo tempo suave, puro, raiz. O encontro  do poeta consigo mesmo, uma viagem em seu interior, o eu essência, caleidoscópio, nordestino. Uma homenagem à mãe (aprendiz de costureira), a caatinga, nômades, Mulungu, Papa-figo, Tapiranga, Brejo Grande e tantas outras recordações. Assim é a obra do poeta Gil Guimarães, Apontamentos Rasos sobre o Ser-Tão Profundo, lançado recentemente na cidade de Miguel Calmon. Trata-se de uma coletânea de poemas, contos e prosa poética.

 

No prefácio, a escritora gaúcha Adriana Beretta informou com muita propriedade que Gil “mostra-se inteiro para que possamos enxergar além da ideia; muito além do ponto final”. Afinal, ele carrega o mar no nome (“eu sou o mar dividido ao meio”) e o  sertão na pele. Guimarães está sempre atento, apesar da dureza da vida, e nem a solidão lhe entristece, pois ele cura, com amor, a ferida. E nessa trajetória intuitiva, veste-se de Drummond, Pessoa e Petrarca, “o meu mistério está debaixo da terra”...”Mais tarde descobri palavras enterradas no fundo do silêncio”...

 


A relação entre o sertão e a civilização é sempre encarada como excludente. É um espaço visto como repositório de uma cultura folclórica, tradicional, base para o estabelecimento da cultura nacional. Para Euclides da Cunha e Monteiro lobato, a civilização devia, no entanto, ser levada ao sertão, resgatando essa cultura e essas populações que aí vivem

 

O sertão aparece como o lugar onde a nacionalidade se esconde, livre das influências estrangeiras. O sertão é muito mais que um recorte territorial preciso; é uma imagem-força que procura conjugar elementos geográficos, linguísticos, culturais, modos de vida, bem como fatos históricos de interiorização como as bandeiras, as entradas, a mineração, a garimpagem, o cangaço, o latifúndio, o messianismo, as pequenas cidades, as secas, os êxodos etc. O sertão surge como a colagem dessas imagens, sempre vistas como exóticas, distantes da civilização litorânea. É uma ideia que remete ao interior, à alma, à essência do país, onde estariam escondidas suas raízes.

 

Para Monteiro Lobato, o verdadeiro Brasil, o que queria mostrar, era o Brasil do interior, não era o Brasil artificial, macaqueado do estrangeiro. Era o Brasil do campo, não o das grandes cidades. “O Brasil está no interior, onde o sertanejo vestido de couro vasqueja nas coxilhas onde se domam potros. Está nas caatingas estorricadas pela seca...”

 


Enquanto muitos escritores continuavam preso à imagem tradicional de que o homem sábio se encontre na cidade ou no litoral, é só com Guimarães Rosa que o sertão vai irromper como discurso sábio na ficção brasileira. Rosa explora o sertão de maneira poética, comparando a paisagem seca e quase desértica aos sentimentos e às relações humanas. “O sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele. “O sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele.

 

A terra seca debaixo dos pés sustenta a paixão daqueles que não desistem diante da dor da seca. A caatinga, Fênix Nordestina, adormecida, vai ressurgir. Essa é uma condição de sobrevivência, ou seja: cuidar das raízes. A poesia de Gil exprime a dura realidade do sertanejo, do nordestino. Com chão de poesia e terra batida sobre versos e tragos líricos, ele caminha em sua trajetória. E, em tempos de tantas tragédias, um livro como este chega a ser um bálsamo para os corações machucados ou endurecidos pelas incontáveis tragédias que o país vem passando nos últimos tempos. Afinal, não é todo dia que se tem notícia de uma cidade onde a vida exala poesia raiz. Cada um de nós tem a opção de encarar a vida de várias maneiras. A vida ganha as cores e os contornos que nossos olhos atribuem a ela. Para alguns, talvez, ela nem colorida seja. Mas quem tem olhos de poeta, a flor na beira da estrada é uma fonte inesgotável de beleza, de lembranças, de devaneios.

 

Que os bons ventos tragam mais poesia desse rapaz de luz própria.

 

O livro está disponível para venda na livraria Saronga, em Miguel Calmon. Em breve estará em todas as plataformas digitais como Amazon, Saraiva etc.

2 comentários:

  1. Gutemberg, se eu pudesse ousar sugerir alguma coisa com relação ao que tu escreves, sugeriria que os textos viessem acompanhados da sombra de um coqueiro, de uma brisa leve e de um marzão lá na frente. Como isto ainda não é possível, me contento com o fato de eles serem apenas perfeitos. Quanto orgulho por ser mencionada na tua crítica. Obrigada e parabéns pelo belíssimo trabalho!

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  2. Caro Gutemberg, quanta honra meu nobre! Sensação mais que especial, para mim, ler esse teu texto sensível, preciso, arguto. É sempre uma experiência fantástica observar o olhar do outro sobre aquilo que produzimos. Presente agradabilíssimo, Obrigado!

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