Denso, profundo, árido, mas ao mesmo tempo
suave, puro, raiz. O encontro do poeta
consigo mesmo, uma viagem em seu interior, o eu essência, caleidoscópio,
nordestino. Uma homenagem à mãe (aprendiz de costureira), a caatinga, nômades,
Mulungu, Papa-figo, Tapiranga, Brejo Grande e tantas outras recordações. Assim
é a obra do poeta Gil Guimarães, Apontamentos Rasos sobre o Ser-Tão Profundo,
lançado recentemente na cidade de Miguel Calmon. Trata-se de uma coletânea de
poemas, contos e prosa poética.
No prefácio, a escritora gaúcha Adriana
Beretta informou com muita propriedade que Gil “mostra-se inteiro para que
possamos enxergar além da ideia; muito além do ponto final”. Afinal, ele carrega
o mar no nome (“eu sou o mar dividido ao meio”) e o sertão na pele. Guimarães está sempre atento,
apesar da dureza da vida, e nem a solidão lhe entristece, pois ele cura, com
amor, a ferida. E nessa trajetória intuitiva, veste-se de Drummond, Pessoa e Petrarca,
“o meu mistério está debaixo da terra”...”Mais tarde descobri palavras
enterradas no fundo do silêncio”...
A relação entre o sertão e a civilização é
sempre encarada como excludente. É um espaço visto como repositório de uma
cultura folclórica, tradicional, base para o estabelecimento da cultura
nacional. Para Euclides da Cunha e Monteiro lobato, a civilização devia, no
entanto, ser levada ao sertão, resgatando essa cultura e essas populações que
aí vivem
O sertão aparece como o lugar onde a nacionalidade
se esconde, livre das influências estrangeiras. O sertão é muito mais que um
recorte territorial preciso; é uma imagem-força que procura conjugar elementos
geográficos, linguísticos, culturais, modos de vida, bem como fatos históricos
de interiorização como as bandeiras, as entradas, a mineração, a garimpagem, o
cangaço, o latifúndio, o messianismo, as pequenas cidades, as secas, os êxodos
etc. O sertão surge como a colagem dessas imagens, sempre vistas como exóticas,
distantes da civilização litorânea. É uma ideia que remete ao interior, à alma,
à essência do país, onde estariam escondidas suas raízes.
Para Monteiro Lobato, o verdadeiro Brasil,
o que queria mostrar, era o Brasil do interior, não era o Brasil artificial,
macaqueado do estrangeiro. Era o Brasil do campo, não o das grandes cidades. “O
Brasil está no interior, onde o sertanejo vestido de couro vasqueja nas
coxilhas onde se domam potros. Está nas caatingas estorricadas pela seca...”
Enquanto muitos escritores continuavam
preso à imagem tradicional de que o homem sábio se encontre na cidade ou no
litoral, é só com Guimarães Rosa que o sertão vai irromper como discurso sábio
na ficção brasileira. Rosa explora o sertão de maneira poética, comparando a
paisagem seca e quase desértica aos sentimentos e às relações humanas. “O
sertão é o sonho, o sertão é dentro da gente”, disse ele. “O sertão é o sonho,
o sertão é dentro da gente”, disse ele.
A terra seca debaixo dos pés sustenta a
paixão daqueles que não desistem diante da dor da seca. A caatinga, Fênix
Nordestina, adormecida, vai ressurgir. Essa é uma condição de sobrevivência, ou
seja: cuidar das raízes. A poesia de Gil exprime a dura realidade do sertanejo,
do nordestino. Com chão de poesia e terra batida sobre versos e tragos líricos,
ele caminha em sua trajetória. E, em tempos de tantas tragédias, um livro como
este chega a ser um bálsamo para os corações machucados ou endurecidos pelas
incontáveis tragédias que o país vem passando nos últimos tempos. Afinal, não é
todo dia que se tem notícia de uma cidade onde a vida exala poesia raiz. Cada
um de nós tem a opção de encarar a vida de várias maneiras. A vida ganha as
cores e os contornos que nossos olhos atribuem a ela. Para alguns, talvez, ela
nem colorida seja. Mas quem
tem olhos de poeta, a flor na beira da estrada é uma fonte inesgotável de
beleza, de lembranças, de devaneios.
Que os bons ventos tragam mais poesia
desse rapaz de luz própria.
O livro está disponível para venda na
livraria Saronga, em Miguel Calmon. Em breve estará em todas as plataformas
digitais como Amazon, Saraiva etc.
Gutemberg, se eu pudesse ousar sugerir alguma coisa com relação ao que tu escreves, sugeriria que os textos viessem acompanhados da sombra de um coqueiro, de uma brisa leve e de um marzão lá na frente. Como isto ainda não é possível, me contento com o fato de eles serem apenas perfeitos. Quanto orgulho por ser mencionada na tua crítica. Obrigada e parabéns pelo belíssimo trabalho!
ResponderExcluirCaro Gutemberg, quanta honra meu nobre! Sensação mais que especial, para mim, ler esse teu texto sensível, preciso, arguto. É sempre uma experiência fantástica observar o olhar do outro sobre aquilo que produzimos. Presente agradabilíssimo, Obrigado!
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