26 fevereiro 2010

Música & Poesia

Tudo Bem Bahia (Moraes Moreira)


Tudo muito louco

Tudo bem barroco

E contemporâneo

Tudo muito certo

Tudo muito perto

Beira ao espontâneo



Tudo muito vivo

Tudo tem motivo

Tudo tem razão

Tudo muito solto

E num mar revolto

Tosca embarcação


Tudo muito corpo

Tudo muito torto

Certo como anzol

Tudo muito tempo

Tudo muito lento

Tudo e muito sol


Não por acidente

Forma essa gente

Outra geografia

Tudo velho e novo

Tudo vem do povo

Tudo bem Bahia.


Tudo Salvador

Tudo pelo amor

E a necessidade

Tudo interior

Tudo e a rigor

Na realidade


Tudo se mistura

Acha quem procura

Ganha quem tem fé

Tudo se acomoda

Num samba de roda

Homem e mulher


Tudo faz sentido

E a cada pedido

Faz-se uma oração

Tudo e muita calma

Coração e alma

Na palma da mão


Tudo e nada mudo

E depois de tudo

O grito que encerra

O divino dom

Tudo que há bom

Tem na Boa terra.

Poema de Moraes Moreira feito no Rio de Janeiro após tocar em Salvador no carnaval dos 60 anos do trio elétrico. (Agradeço ao amigo Maurício Almeida)


Epifania (Ruy Espinheira Filho)



Alguns anos não consigo

deixar nas águas do Lete:

os teus catorze morenos

e os meus magros dezessete.

Muitas coisas se afogaram,

e rostos, e pensamentos,

e sonhos, e até paixões

que eram imortais...

Porém,

os meus magros dezessete

e os teus catorze morenos

não entram nem em reflexo

nesse Rio do Esquecimento.


Que magia nos levou

a um espaço e a um momento

para que de nós soubéssemos:

tu, meus magros dezessete;

eu, teus catorze morenos?

Que astúcia do Imponderável

nos abriu aqueles dias

que permanecem tão claros

como quando nos surgiram?

Eu não sei. Mas sei que a vida

nunca mais me foi vazia.


Como não foi fácil, nunca,

por tanto me visitarem

os Arcanjos da Agonia.

Pois, se fui iluminado

por estarmos lado a lado

— os teus catorze morenos

e os meus magros dezessete —,

seria fatal que também

viesse a sentir a alma

em chagas multiplicadas

por setenta vezes sete.


Ah, os teus catorze morenos

e os meus magros dezessete!...

Quanto sofrimento fundo

— mas quanto sonho profundo

e alto!

Que belo mundo

foi-me então descortinado,

porquanto me era dado

o privilégio preclaro

de penar de amor no claro,

no escuro, em todas as cores,

em todos os tons da vida,

dia e noite, noite e dia,

varrido ao vento das asas

dos Arcanjos da Agonia

(que eram, por algum prodígio,

os mesmos da Alegria!...).


Ah, que por mim chorem flautas,

pianos, violoncelos,

as cachoeiras, os céus

comovidos dos invernos...

Chorem, chorem, que mereço

essas lágrimas, porque

tudo sofri no mais pleno

de paraísos e infernos.

Que chorem...

Mas eu, eu mesmo,

não choro... Como chorar,

se mereci essa dádiva

de um amor doer na vida

por setenta vezes sete

mais que qualquer outra dor,

mais que qualquer outro amor?

Só me cabe agradecer,

pois a vida perderia

(e, o que ainda é mais cruel,

sem nem saber que a perdia...)

se não provasse os enredos,

insônias, febres, venenos

que em meus magros dezessete

acendeu a epifania

dos teus catorze morenos!


2 comentários:

  1. Ana Amélia6:35 PM

    Oi Gutemberg!

    Gostou de Epifania! Para mim, é um dos poemas mais bonitos que já li.
    Que belo encontro na livraria, não foi?!

    Um abraço,

    Ana Amélia

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  2. Ana,

    Epifania é um dos belos poemas do nosso poeta Ruy Espinheira...

    Gutemberg

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