Continuando com a leitura do livro de Leonardo Boff, Ética e Moral, a busca dos fundamentos (Vozes, 2003):
O ser humano, por sua natureza, é um ser biologicamente carente. Por isso vê-se obrigado a conquistar o seu sustento, modificando o meio, criando assim o seu habitar. Desde que saiu da África de onde irrompeu como homo erectus, pôs-se a conquistar o espaço, começando pela Eurásia, passando pela Ásia, América e terminando pela Oceania. Por comparecer como um ser inteiro, mas inacabado, e tendo que conquistar sua vida, o paradigma da conquista pertence à autocompreensão do ser humano e de sua história. Insaciável é a vontade de conquista do ser humano (conquistar os espaços, o segredo da vida, o poder de Estado e outros poderes, o mercado e os consumidores, o coração da pessoa amada).
Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e regeneração. Agora precisamos conquistar a autolimitação, a austeridade compartilhada, o consumo solidário, a compaixão e o cuidado com todas as coisas para que continuem a existir. Devemos começar conosco, com as revoluções moleculares. Sem elas não garantiremos as novas virtudes que salvarão a vida e a Terra.
Depois do paradigma-conquista é urgente passarmos para o paradigma-cuidado. Basta lembrar que o cuidado é tão ancestral quanto o universo. Após o big-bang, se não tivesse havido cuidado por parte das forças diretivas, pelas quais o universo se autocria e auto-regula, a saber, a força gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte, tudo se expandiria demais, impedindo que a matéria se adensasse e formasse o universo como o conhecemos, ou tudo se retrairia a ponto de o universo colapsar sobre si mesmo em intermináveis explosões.
Mas o que aconteceu foi que tudo se processou com um cuidado tão sutil, em frações de bilionésimos do segundo, que permitiu estarmos aqui. E esse cuidado se potenciou, quando sumiu a vida há 3,8 bilhões de anos. A bactéria originária, com cuidado singularíssimo, dialogou quimicamente com o meio para garantir sua sobrevivência e evolução. O cuidado se complexificou mais ainda quando surgiu os mamíferos, donde também nós viemos há 125 milhões de anos. A essência humana reside exatamente no cuidado. Cuidado é gesto amoroso para com a realidade, gesto que protege e traz serenidade e paz. Sem cuidado, nada que é vivo sobrevive. E é essa atitude que precisamos resgatá-la hoje, como ética mínima e universal, se quisermos preservar a herança que recebemos do universo e da cultura e garantir nosso futuro.
Morrem ideologias. Passam filosofias. Mas sonhos permanecem. São eles que mantêm o horizonte de esperança sempre aberto. Formam o húmus que permite continuamente projetar novas formas de convivência social e de relação com a natureza.
Em 1854, o chefe Seattle das tribos do Noroeste entregou solenemente seu território e seu povo à soberania dos EUA. O discurso que ele pronunciou nessa ocasião serviu um século mais tarde de inspiração ao movimento ecológico, que o reinterpretou de maneira particularmente incisiva. O chefe se dirigia, de um modo mais urgente do que nunca, aos descendentes dos colonos brancos que nós somos:
“Ensinem aos seus filhos o que nós ensinamos aos nossos, que a terra é nossa mãe. Tudo que acontece com a terra acontece com os filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo sobre si mesmos. A terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Nós sabemos disso. Todas as coisas se ligam como o sangue que une a mesma família. Todas as coisas se ligam. Tudo quer acontece à terra acontece aos filhos da terra”.
Bem entendeu a importância dos sonhos o cacique pele-vermelha Seatle, quando, em 1856, escreveu ao governador do Estado de Washington, Stevins, que o forçara a vender as terras aos colonizadores europeus. Perplexos, se perguntava sem entender: pode-se comprar e vender a aragem, o verde das plantas, a limpidez das águas e o esplendor da paisagem: E concluía: os peles-vermelhas entenderiam o porquê “se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais esperanças que transmite a seus filhos e filhas e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã”. Afinal, qual é o nosso sonho?
Viemos de um ensaio civilizatório, hoje mundializado, que realizou coisas extraordinárias, mas que é materialista e mecânico, linear e determinístico, dualista e reducionista, atomizado e compartimentado. Separou matéria e espírito, ciência e vida, economia e política, Deus e mundo. O que aconteceu é que esse anseio ancestral da humanidade operou uma lobotomia em nossa mente, mas deixou desencantados, obtusos as maravilhas da natureza e insensíveis face à reverência que o universo suscita em nós. Importa não deixarmos o sonho permanecer apenas sonho.
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