A Invenção da Baianidade, livro da jornalista e mestre em Comunicação da UFBa e doutoranda em Comunicação na USP, Agnes Mariano, é um ótimo lançamento da editora Annablume. A autora mostra a importância “creditada à música e aos músicos na construção do discurso da baianidade, pois a estes é atribuído o papel de representantes oficiais, embaixadores, uma espécie de porta-vozes da baianidade”. O primeiro capítulo foi dedicado à “Boa terra”, às canções que retratam a Bahia pré-capitalista da primeira metade do século. E dentro do contexto histórico, Agnes Mariano descreve o ritmo da cidade de Salvador na primeira metade do século XX, pela água lenta, tranquila e acolhedora Baía de Todos os Santos.
“A Bahia chegou a ser, no século XIX, o maior centro industrial têxtil do país. Foi perdendo força com o passar dos anos, mas no final do século XIX e início do XX, ainda contava com importantes fábricas, sendo sete em Salvador e três no Recôncavo, a maior delas situada no bairro da Boa Viagem, na cidade Baixa. Boa parte da mão-de-obra era formada por mulheres e menores de idade”. E mesmo com o forte impacto provocado na economia baiana, a partir dos anos 50 (Petrobras, CIA, Pólo Petroquímico), “não foi suficiente, até hoje, para mudar significativamente o modo de vida de um grande contingente da população que, em, fins do século XX ainda permanece semi-analfabeta, desqualificada e sobrevivendo de biscastes”.
E no trabalho são apresentados canções que, cada qual ao seu modo, enunciam um modo baiano de ser e viver, através de narrativas, dissertações e descrições de diferentes aspectos, ritos e qualificativos definidos como próprios dos baianos. Sejam canções de Ary Barroso, Dorival Caymmi, Riachão, Sinhô, Herivelto Martins ou Gastão Viana. E nas canções da primeira metade do século XX, a presença constante das formas de saudar o sagrado. E nessas referências às práticas religiosas são frequentes a peregrinação ao Bonfim, a entrega de presente a Iemanjá, o uso de amuletos, a louvação do nome das divindades e outras liturgias.
Os hábitos alimentares são práticas constantemente citadas pelos compositores. Há uma estreita vinculação entre alimentação e religiosidade africana. “Uma caraterística muito presente nas canções que falam sobre alimentação é a adjetivação dos pratos e vendedores: comenta-se desde as suas qualidades até o modo correto de preparar os quitutes, de servi-los ou vendê-los, onde as características da vendedora são tão importantes quanto as do produto”. Iguarias, entre salgados e doces, os mais citados são o vatapá, o caruru, a moqueca, o acarajé e o mungunzá.
A discutida sedução do baiano não foi esquecida na pesquisa. “Desinibição, improviso, desenvoltura e ritmo marcam a forma como este desempenho físico ´´e descrito, sendo primordialmente creditado às mulheres, assim como, em décadas subsequentes, as mesmas habilidades serão atribuídas aos homens baianos que se dedicam aos instrumentos percussivos(...) O poder der seduzir e enfeitiçar através da beleza dos movimentos é um tema exaustivamente explorado pelos compositores. As formas de lidar com ele é que variam: motivo de afeto ou temor, razão para se perder o juízo e até para se pensar em casamento”.
Dentro do “modo baiano de ser” - aparência e forma de vestir – o jeito, enquanto uma disposição de espírito, coragem, virilidade são atributos acumulados com a cultura local e se dá através de vários recursos. E como afirma o autor, “em geral, a argumentação está construída sobre um somatório de qualidades”.
O segundo capítulo a Bahia se descobre cada vez mais negra. Salvador cresce, se complexifica e o discurso da baianidade também. O foco agora nas canções é a prática de origem africana e entre os compositores estão Carlinhos Brown, Luís Caldas, Ederaldo Gentil, Gerônimo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Moraes Moreira e Daniela Mercury. Nas canções dos anos 70, 80 e 90 a festa é um assunto quase onipresente. “A festa, o Carnaval e um estado de espírito comumente relacionado a ele assumem ares de elementos centrais na definição de uma ´identidade baiana´ e, agora, nomeia-e explicitamente essa tal ´baianidade´: ´Eu vou atrás do trio elétrico, vou/Dançar ao negro toque do agogô/Curtindo minha baianidade nagô´(Evany, 1991) (…) `Sagrado e profano/O baiano é Carnaval`(Moreira e Armandinho, 1988).
E é nessa capital que o autor detalha com preciosismo a força da religiosidade nas canções da segunda metade do século XX, os ritos de adesão, o sincretismo, emblemas – músicos, bairros e organizações, o bairro do Curuzu onde o Ilê Aiye foi fundado (1974), o Pelourinho com o Olodum (1979), o Candeal com a Timbalada (1993). E assim, nas composições diversas referências ao “jeito baiano” são temas creditados à Bahia como o charme, a disposição pacífica, a hospitalidade,. O despojamento, a altivez. A pobreza e seus derivados (ignorância, sujeira) e o autoritarismo e seus correlatos (clientelismo e submissão). “Onde a gente não tem pra comer/Mas de fome não morre”(Gil, 1965) ou “Baiano burro nasce, cresce/E nunca pára no sinal/E quem pára e espera o verde/É que é chamado de boçal” (Veloso e T.Costa, 1987). Assim nesse discurso da baianidade, várias facetas de uma mesma questão, “pois a tensão e a ambiguidade são inevitáveis”.
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