A minha primeira recordação de infância era de um garoto franzino, assustado com o mundo. Quando meus pais chegaram à Bahia, vindos de Sergipe, foram se acomodar num terreno abandonado do conhecido bairro Corta Braço, hoje Pero Vaz. Foi lá que construiu sua família. A ansiedade que em mim brotava era o temor da exclusão, da expulsão sempre em busca de um abrigo. Nossa casa era pequena, sem nenhum conforto e foi meu pai quem construiu aos poucos. Dormíamos no chão, ao lado de areia e tijolo e dos diversos insetos. Minha mãe, sempre prestativa, esquentava a comida, seja para a hora do almoço ou do jantar, onde todos se reuniam aos olhos tementes do nosso pai. Sua presença era forte e todos nós obedeciam suas palavras.
Sempre que podia ficava lendo as obras de Monteiro Lobato, as enciclopédias infanto-juvenis e os gibis. Não dá para esquecer a grande paixão em conhecer a Biblioteca Monteiro Lobato, no bairro de Nazaré. Saía do Pero Vaz para as leituras naquele local de sonho onde o livro servia para fazer do mundo real e entrar no mundo imaginário que habitou durante grande parte de minha adolescência. Foi um verdadeiro tesouro entrar naquele local sagrado de tantos e tantos livros. Paixão à primeira vista. Era como visitar a Disneylândia, o grande sonho juvenil daquela época. E como sonhava morar perto daquela biblioteca!. O curioso é que agora, já adulto, vim a morar no bairro da Saúde, colado à Biblioteca Monteiro Lobato, onde meu sonho realizou-se.
Conhecer Denise Tavares foi outra etapa de realizações e ajudar em sua luta diária de criar hábitos de leitura na infância. A casa dos sonhos tinha uma batalhadora à altura. Mulher bonita, talentosa, criativa, empreendedora, sonhadora. Outra pessoa incrível que entrou em nossa vida foi o jornalista e escritor Adroaldo Ribeiro Costa que, anos mais tarde, tornou-se nosso patrono na criação de uma associação em defesa das histórias em quadrinhos. Adroaldo escrevia uma Página Infantil todos os sábados no jornal A Tarde e foi nessa página que comecei a escrever comentários críticos a respeitos dos quadrinhos. Denise Tavares já lutava bem antes para colocar os gibis na biblioteca. Os gibis eram tidos como subliteratura. Aquela velha discussão preconceituosa de alta literatura e baixa literatura, a de massa, a popular.
O interessante foi quando nosso clube em defesa dos quadrinhos realizou uma exposição no Instituto Central de Educação Isaías Alves (Iceia) no Barbalho. Intitulada a importância dos quadrinhos no mundo, mostrávamos como as historietas tinham relações com a literatura, o cinema, as artes plásticas, a música etc. Foi a primeira mostra sobre quadrinhos na Bahia. A mídia deu boa cobertura e realizamos um debate com a presença de educadores, psicólogos e curiosos no tema. Muitos condenavam os quadrinhos por “excesso de fantasia”, rebatíamos com o simples “então vamos acabar com a literatura infantil, a fantasia é necessária para as crianças”. Outros criticavam o “excesso de violência”, e quanto a tevê, o jornal, rádio e cinema?.
E o debate continuou com o resultado positivo pra gente. Nós enfrentamos todos aqueles preconceitos e ganhamos no resultado final. Isso nos deus mais gás para continuar analisando os gibis e escrevendo depois os primeiros fanzines na localidade, o Na Era dos Quadrinhos (comprovado na tese de mestrado de um professor paulistano na série da Editora Brasiliense Primeiros Passos – O que é fanzine). Bem mais tarde escreveria dois livros sobre o assunto provando que os quadrinhos surgiram na Bahia (Traço dos Mestres, e Feras do Humor Baiano), mas essa é outra etapa de vida...
PESQUISA
Em 1968 criei, juntamente com alguns estudantes, o Centro de Pesquisa de Comunicação de Massa (o antigo Clube da Editora Juvenil), órgão que estudou os quadrinhos, cartuns, caricaturas, grafismo em geral. Na época lançamos o fanzine Na Era dos Quadrinhos. Foram exatos 37 números em sua primeira fase, que circularam ininterruptamente a cada mês, entre julho de 1970 e julho de 1973. A segunda fase foi mais curta e durou apenas cinco números publicados (de janeiro a maio de 1977).
Na primeira metade da década de 70, qualquer aficionado por quadrinhos sabia da existência do fanzine baiano. Apesar de ter “agitado” as seções de cartas das principais revistas de quadrinhos nos cinco anos em que circulou, Na Era dos Quadrinhos “desapareceu” da história dos zines brasileiros – certamente pela “distância” da Bahia em relação aos principais pólos editores.
Outra atividade do Centro de Pesquisa na Bahia foi realizar exposições. Em 1970 montamos a I Exposição de HQ do Norte e Nordeste, no salão nobre do ICEIA. O tema abordado: A importância dos quadrinhos. No debate, o professor Adroaldo Ribeiro Costa (muito conhecido na Bahia) foi agraciado com o título de presidente de honra da associação. Em 1971, na Biblioteca Central do Estado o tema da mostra foi Os Quadrinhos no Mundo. No ano seguinte, Os Quadrinhos no Brasil, também na Biblioteca Central. Em 12976 no Instituto Cultural Brasil Alemanha (ICBA), Quadrinhos Baianos. A associação de quadrinhos da Bahia realizou ainda centenas de palestras, aulas e cursos nas escolas, bibliotecas e espaço cultural em Salvador e diversas cidades do interior da Bahia, além de levar as exposições para outros municípios e divulgar melhor o fanzine. O estudioso italiano Umberto Eco também recebia o fanzine baiano e comentou em um de seus livros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário