05 maio 2009

O Roubo da História (2)

Desde o início do século XIX, a construção da história do mundo tem sido controlada pela Europa ocidental, que registrou sua presença no resto do mundo como resultado da conquista colonial e da Revolução Industrial. No século XVI, a Europa alcançou uma posição dominante no mundo em parte por conta do Renascimento e dos avanços na navegação e nos armamentos que lhe permitiram explorar e colonizar novos territórios e desenvolver sua empresa mercantil, em parte pela adoção da imprensa, que ampliou o alcance do conhecimento. Pelo final do século XVIII, com a Revolução Industrial, a Europa alcançou o domínio econômico mundial.

O que caracteriza a postura européia, assim como a de sociedades mais simples, é a tendência de impor a própria história ao mundo. Essa tendência etnocêntrica é extensão de um impulso egocêntrico na base de grande parte da percepção humana e se realiza pelo domínio de fato de muitas partes do mundo. Eu vejo o mundo necessariamente com meus olhos, não com os olhos dos outros.

Segundo o historiador, as dimensões atuais de tempo e espaço foram estabelecidas pelo Ocidente. Isso porque a expansão através do mundo requereu controle temporal e mapas que emolduraram a história, tanto quanto a geografia. É claro que todas as sociedades têm alguns conceitos de espaço e tempo, em torno dos quais organizam seus cotidianos. Esses conceitos tornaram-se mais elaborados (e mais precisos) com o advento da leitura e da escrita, que proveu a capacidade para precisar ambas as dimensões.
O Ocidente usa o ciclo sideral (calendário solar), outros usam uma seqüência de 12 períodos lunares. As diferentes formas de calcular o tempo nas sociedades com escrita tinham uma estrutura religiosa, usando como ponto de referência a vida do profeta, do redentor, ou a criação do mundo.
Modelos religiosos de construção do mundo permeiam todos os aspectos do pensamento e em tal extensão que, mesmo tendo sido abandonados, seus traços continuam a determinar nossa concepção de mundo. Categorias espaciais e temporais, originadas de para nossa interação com o mundo, que nós tendemos a esquecer sua natureza convencional.
A globalização compreende uma medida de universalização. Não se pode trabalhar com conceitos puramente locais. Assim, apesar de o estudo da astronomia ter tido sua origem em outro lugar, mudanças na sociedade de informação, particularmente na tecnologia de informação na forma de livro impresso (que, como o papel, veio da Ásia), passaram a significar que o desenvolvimento da estrutura do que se chama ciência moderna é ocidental. Nesse caso, como em muitos outros, globalização significa ocidentalização.
Toda a história mundial foi concebida como uma seqüência de fases constituídas por eventos ocorridos só na Europa Ocidental. O roubo da história pela Europa Ocidental começou com as noções de sociedade arcaica e Antiguidade, prosseguindo daí em uma linha mais ou menos reta pelo feudalismo e Renascença até o capitalismo.
Uma das primeiras matérias da escrita Grega foi a guerra contra a Pérsia que levou à distinção feita em termos valorativos entre Europa e Ásia, com profundas consequências para nossa história política e intelectual a partir de então. Para os gregos, os persas eram “bárbaros”, caracterizados pelo uso da tirania em vez da democracia. Era, claro, um julgamento puramente ectonêntrico, alimentado pela guerra grego-persa. O suposto declínio do Império Persa no reino de Xerxes (485-465 antes de Cristo) decorre dessa visão centrada na Grécia e em Atenas; essa interpretação não surgiu de documentos elamitas de Persépolis, nem acadianos da Babilônia, nem aramaicos do Egito, e está longe de evidências arqueológicas. Na verdade, os persas eram tão “civilizados” quanto os gregos, especialmente em sua elite. Construíram-se no principal caminho pelo qual o conhecimento, vindo das sociedades\literárias do Oriente Médio antigo, foi transmitido aos\gregos.

Linguisticamente (conta o historiador), a Europa tornou-se o lar dos “arianos”, falantes de línguas indo-européias advindas da Ásia. A Ásia Ocidental, por outro lado, foi o lardos povos nativos de línguas semitas, um ramo da família afro-asiática que incluiu a língua falada pelos judeus, fenícios, árabes, coptas, berberes, e muitos outros do Norte da África e Ásia. Foi essa divisão entre arianos e outros, incorporadas mais tarde nas doutrinas nazistas, que, na história popular da Europa, tendeu a encorajar o subsequente menosprezo das\contribuições do Oriente para o crescimento da civilização.

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