12 maio 2009

Leve, ágil, cortante e irreverente traço de Lage (2)

Traço simples, Lage consegue captar todo o momento histórico político vivenciado. Tudo Bem, Ânsia de Amar e outras tiras trazem um humor sem retoques, autêntico, mordaz. O humor caligráfico de Lage tem uma marca pessoal muito forte e traz, por inteiro a perplexidade nossa de cada dia. Traço rápido, leve, ágil, sinuoso, carregado de expressividade, firme, ajusta-se a brevidade do momento.

O desenho de humor de Lage é uma análise crítica do homem e da vida, uma análise desmistificadora. Seu humor é uma forma de tirar a roupa da mentira. Na Tribuna da Bahia, Lage conquistou a liberdade de criação no veículo, ele é quem responde pelas tiras e charges diárias. A ele é permitido criar e, veicular, todas as suas idéias sem censuras e castrações. É aí que ele desenvolve sua verve artística crítica, explorando os costumes baianos e satirizando os fatos políticos.

A obra de Lage adentra as relações afetivas, vasculha detalhes das relações de classe escancara os valores do imaginário do autor. Aborda temas de caráter intimista pontilhados de crítica à realidade sócio-política-econômica do país, extrapolada muitas vezes quando o fato que questiona alcança uma repercussão mundial. Ele é o chargista crítico dos desmandos do poder, exercendo a cidadania tal qual a princípio lhe é conferida como um direito natural e constitucional, no papel de fiscalizador dos atos dos políticos e dos governantes.
A história em quadrinhos na Bahia tomou fôlego com o surgimento do tablóide A Coisa, do jornal Tribuna da Bahia. A Coisa foi um seguimento natural do fanzine Na Era dos Quadrinhos e tinha como meta principal “uma maior valorização do autor brasileiro e em particular baiano”. “Pretendemos também – dizia o editorial -, divulgar e abrir novas perspectivas aos humoristas e desenhistas que ainda não tiveram oportunidade de publicar seus trabalhos”. Em pouco tempo o suplemento revelou novos cartunistas e desenhistas de quadrinhos. Lage foi um de seus editores.
O suplemento da Tribuna, aberto para os novos desenhistas, aproveitou uma percentagem expressiva, com experiência que abriu novas possibilidades para a pesquisa temática ao nível gráfico. Seu lançamento serviu para aproveitar vários desenhistas que antes apenas trabalhavam em outros setores. Durou oito meses, tempo suficiente para a reunião dos cartunistas e discussão de novas idéias e projetos. Em junho de 1976 surgiu o nanico Coisa Nostra, com texto, cartuns e quadrinhos. "O importante - diziam os editores - é que o riso não fique na boca. Ele tem de dar uma chegadinha na consciência". Coisa Nostra durou apenas quatro números.
Aos 60 anos de idade, o cartunista Lage, bastante conhecido em todo o meio artístico da Bahia, morreu no dia 29 de novembro de 2006. Ele sofria de câncer no cérebro. O corpo do cartunista foi sepultado no cemitério Bosque da Paz, no Trobogy. Casado com Marta, com quem teve o filho Daniel, Hélio Roberto Lage nunca saiu de Salvador, terra onde nasceu e, trabalhou como chargista no jornal Tribuna da Bahia desde a sua fundação, em 1969. E parece que não poderia haver momento melhor para a estréia. Foi também funcionário, por muitos anos, da TV Educativa. Formado em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, o artista optou desde cedo pelo desenho, deixando o diploma de lado, a não ser por poucos e pequenos trabalhos.
Referência na área do humor gráfico, especialmente na charge, Lage era dono de um estilo particular, marcado pela contestação calcada no humor virulento. Lage esteve ao lado de outros ilustradores conhecidos na Bahia na criação de trabalhos humorísticos, a exemplo do suplemento semanal A Coisa, do tablóide Coisa Nostra, da revista Pau de Sebo e do Dicionário do Baianês. A década de 70, que batia à porta com toda sua turbulência política e social, trouxe boa parte da munição com a qual Lage disparava sua ironia. A ousadia rendeu ao cartunista alguns desafetos, mas outros tantos admiradores.
Iconoclasta, dono de um traço simples e cortante, Lage logo se destacou pela mordacidade de seus desenhos. Costumava dizer que o bom cartum “é o que sai no estalo”. Durante o regime militar, entrou em controvérsias e chegou a ser chamado para depor nas famosas “sessões de informação” da ditadura. Mesmo assim, não diminuiu o tom de deboche, dizendo às vezes sem palavras o que toda uma nação calava na garganta.
“Lage é um dos maiores cartunistas que a Bahia já teve e eu dizia isso a ele o tempo todo. Além de ter um estilo próprio e nunca abrir mão disso, foi um grande companheiro de trabalho”, disse o artista plástico e cartunista Reinaldo Gonzaga, conhecido como Rei, que realizou trabalhos com Lage como programador visual ao longo dos 15 anos em que ele colaborou com o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb).

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