22 janeiro 2009

Paranóia surrealista de Salvador Dali (2)

O mais surrealista de todos os pintores modernos, mais ligado à expressão plástica do inconsciente, mais excêntrico e que levou sua arte aos alucinantes caminhos da imaginação criadora.

Tecnicamente as inovações de Dalí pertencem às suas temáticas delirantes do que ao arsenal de procedimentos estéticos que a arte moderna deitou na mão do artista. Como pintor, chega a ser acadêmico, embora tenha realizado objetos, montagens ou estranhas esculturas. Mas Dalí nunca negou sua admiração por artistas acadêmicos como Meissonier (1815/1891) ou Bouguereau (1825/1905). A atividade paranóico-crítica (método de interpretação inventado pelo artista nascido pela tese de seu amigo íntimo, o psicanalista Jacques Lacan chamada Da Psicose nas suas relações com a Personalidade).
E a paranóia acompanhou o pintor catalão numa mistura de poder e saber (ele era extremamente culto), entre dinheiro e glória, loucura e razão. Com ele, o surrealismo tornou-se uma arte popular, muitas vezes chegando ao kitsch. Pertencem ao nosso imaginário cenas como as dos relógios derretidos, dos dedos plantados em paisagens oníricas, imagens criadas por Dalí. Os bigodes “superalegres e verticais ascendentes” foram sua imagem de marca. Suas declarações de genialidade o afastavam dos redutos sérios da arte, mas eram armadilhas preparadas pelo pintor. Suas roupas extravagantes e os bigodes melados de escrementos conquistaram a russa Gala (aliás Elena Deluvina Diakoroff), ex-modelo do poeta francês Paul Eluard, a grande paixão do pintor. Foi ela que colocou Dalí nos trilhos do capitalismo – ensinou o artista a valorizar o dinheiro. Tinha passado pela revolução socialista na Rússia e sabia quanto vale ficar sem, um tostão.
APETITE
Quando Dalí começou a enriquecer, atingiu o puritanismo revolucionário do fundador do surrealismo, André Breton, que cunhou o anagrama Avida Dollars para explicar o apetite por dinheiro do pintor. Gala passou a ser a musa, mãe, amante, algoz e deusa de Salvador Dalí até morrer. A diva russa, modelo maior de Dalí na costa mediterrânea da Espanha e fora dela, se tornou a principçal figura de sua obra. Gala foi a mulher mais reproduzida em suas telas, das inúmeras recriações do “Angelus” às substitutas de santas criadas para a adoração masoquista do pintor.
“O surrealismo sou eu”, costumava dizer, parafraseando Luís 14. Morto, ele deixou mais de mil quadros (além dos falsos) assinados para prover. Se ele não teve unanimidade dos críticos, as únicas obras de Dalí que talvez tenham a unanimidade da crítica não estão nas artes plásticas, mas no cinema. São os dois filmes que co-roteirizou com Luís Buñuel, e que este dirigiu: Um Cão Andaluz (1928) e A Idade de Ouro (1930). Ambos são obras-primas não apenas do chamado cinema surrealistas, mas do
cinema “lato sensu”. Os dois filmes provocaram na época enorme reação na França, com a temática anticlerical e/ou demolição da moral burguesa. Hoje observa-se o violento lirismo de duas histórias belas e engraçadas. O namoro de Dalí com o cinema continuou em 1932 quando escreveu o roteiro “Babaouo” que nunca foi filmado.

Ele também trabalhou com Walt Disney, mas nenhum dos projetos foi realizado. O primeiro, de 1946, seria uma sequência animada para o longa Destino, no estilo de Fantasia. O outro, planejado dez anos mais tarde seria Dom Quixote, e também não chegou a ser concretizado. Foi Hitchcock quem conseguiu levar Dalí a Hollywood. O pintor realizou as sequências de sonho do filme Quando Fala o Coração (1945), além das produções feitas com auxílio de Dalí, uma em 1954 sob a direção de Robert Descharnes, e outra em 1974, para a tevê alemã chamada Viagem à Baixa Mongólia.
Para muitos o que Dalí fez foi pegar elementos do inconsciente freudiano e da técnica renascentista de pintura, resultando entre mágicas de grande brilho. Ele soube orquestrar o delírio do grande público em torno de seus happenings. Com Dalí surge a gestão do que importa mais: o artista ou a obra? O público médio consome mais a vida de Dalí, que se tornou um estereótipo esperado do artista excêntrico.

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