29 outubro 2008

Morte (2)

“Que vamos morrer todos sabemos; o tempo e a sucessão dos dias é que deixam os homens mais aflitos”, disse Bruto na peça Julio César, de William Shakespeare.

CEMITERADA

A Bahia herdou hábitos funerários de tradições portuguesas e africanas. Nessas sociedades, a preparação para a morte envolvia ainda a devoção a santos, deuses e ancestrais e a despedida do morto era feita com virgílias, cânticos, choros convulsivos, além de uma verdadeira festa onde se bebia e comia. Eram funerais pomposos e a realização dos enterros em igrejas também faziam parte da tradição. A população procurava a proteção das irmandades e ordens terceiras na Bahia. Santo Antônio da Barra é para os negociantes, São Jorge para os ferreiros, serralheiros, caldeireiros. São Crispim para os sapateiros e curtidores. Os suntuosos funerais, ou morte barroca, estavam entre as diversões preferidas dos baianos no século XIX

E no dia 25 de outubro de 1836 os baianos foram às ruas para garantir essa tradição de “bem-morrer”. Era a Cemiterada. O movimento rebelou-se contra a entrada em vigor da Lei Provincial número 17, aprovada pela Assembléia Legislativa da Bahia, que autorizou a construção do Cemitério do Campo Santo e concedeu o monopólio dos enterros à iniciativa privada, proibindo sepultamento nas igrejas. O movimento foi vitorioso e os enterros em igrejas e os rituais festivos que os antecediam continuaram por mais 20 anos. Somente nos anos 50 do século XIX, quando um grande surto de febre amarela dizimou boa parte da população, o Cemitério do Campo Santo passou a ser um local aceito pela comunidade para enterrar seus mortos.

Quem desejar se aprofundar mais sobre o assunto vale conferr a leitura da obra do historiador baiano João José Reis, “A morte é uma festa – Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX”.

CAMPO SANTO

Construído em 1836, o Campo Santo (o mais antigo cemitério da Bahia) – que antes tinha como cenário um local triste, sombrio e deprimente – passou em 2007 a atrair a atenção de curiosos e turistas, que ao invés de lágrimas, fixam os olhos nas placas informativas dos mausoléus que, além de resgatar a biografia de figuras da história, explica a simbologia da obra.

O projeto de criação do Círculo Cultural do Campo Grande – um verdadeiro museu a céu aberto – foi realizado pela Santa Casa de Misericórdia e envolvem várias etapas de construção, desde a pesquisa e identificação dos símbolos da arte cemiterial, até a associação da arte dos mausoléus com o desejo particular das famílias das pessoas até sepultadas.

O projeto aborda a simbologia das obras e não apenas resgatar a memória de personalidade. O museu ao ar livre é o primeiro do Brasil a desmistificar a morte explicando a arte cemitério, que utiliza elementos e símbolos para expressar um sentimento particular à sociedade.

Há 48 mausoléus inspirados em estilos clássicos, góticos e românticos, todos localizados em volta da igreja, divididos em sete quadras. No local estão o sepulcro do poeta Castro Alves, do médico Aristides Maltez, do governador Otávio Mangabeira e do comerciante sergipano Mamede Paes Mendonça.

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