28 agosto 2008

O Homem Deus

A sabedoria das grandes religiões não convém mais a nossos tempos democráticos? Um dos traços mais singulares do nosso universo secularizado é que nós nele permanentemente existimos por meio de projetos. Após a morte das grandes utopias que inseriam nossas ações no horizonte de um vasto propósito, a questão do sentido não encontra mais um local onde se exprimir coletivamente.

As grandes utopias deram, durante décadas, sentido à vida dos indivíduos – tanto aos que nelas acreditavam, por acreditarem, quanto aos que as combatiam, por combatê-las. A idéia de um “além” da vida presente. O militante trabalhava para o futuro, para as próximas gerações, para o advento da sociedade perfeita, do paraíso na Terra. Assim, durante um século e meio que essa religião (insubstituível como fornecedora de sentido) residiu o extraordinário poder de fascínio de milhões de pessoas. A partir daí procurou-se encontrar o caminho no ressurgimento de antigas formas de espiritualidade. Assim, há mais de 20 anos houve a redescoberta do budismo no Ocidente.

O desencantamento com o mundo, ou melhor, a humanização do divino fez com que crescesse a laicidade na Europa. Da bioética ao humanitário, o homem aparece, nos dias de hoje, como sagrado. Daí a era do homem Deus. O filósofo Luc Ferry em sua obra O Homem Deus ou O Sentido da Vida (Editora Bertrand Brasil) aborda a questão do sentido e a do sagrado que são inseparáveis, e elas se ligaram, hoje em dia, baseadas em um duplo processo. O desencadeamento com o mundo e o crescimento da laicidade na Europa. Foi contra tal tendência que o Papa multiplicou suas Encíclicas.

Para ele, o islã de Khomeini, o cristianismo do reverendíssimo Lefebvre, ou o judaísmo da extrema direita israelense podem ser entendidos como facetas diversas de um fenômeno único e inquietante: o integrismo.

A emancipação dos corpos começou nos anos 60. A tradição judaico-cristã, há mais de 20 séculos, opunha o mundo intelectual ao mundo sensível, a beleza da Idéias à feiúra dos instintos, o espírito à matéria, a alma do corpo. No final dessa luta, depositou a libertação sexual. Até os anos 60 a caridade não tinha grandes prestígios. Naquela época os filósofos e intelectuais ridicularizavam considerando que mais parecia, a exemplo da religião que frequentemente a inspirava, o ópio do povo.

No entanto, a partir dos anos 80, o número de organizações não-governamentais com exceção caritativa se multiplicou por cem. Os valores da caridade ganharam um ovo impulso. O progresso das ciências e das técnicas (fecundação in vitro, pílula abortiva, inseminação artificial, clonagem..) suscita interrogações de dimensão moral, metafísica. Assim os poderes, antes negados, estão à inteira disposição do homem e constitui, em si, um problema maior. Entregue a um destino que ele pode agora construir, sozinho às voltas com seus próprios demônios, o homem terá de encontrar em si as respostas às interrogações que ele suscitou. E vai precisar inventar suas regras de conduta diante das forças que ele desencadeou e que ninguém sabe ainda como ele vai poder dominar. As preocupações mais se reagrupavam sob o termo bioética. Com isso a religião perdeu essa relação tradicional com a Revelação e se ergue contra as orgulhosas exigências da liberdade de consciência e do “pensar por si mesmo”.

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