12 maio 2008

Excitação próximo da morte (1)

Crash – Estranhos Prazeres causou furor e desconforto em Cannes/96, proibido em Londres, é metáfora para a colisão da tecnologia com o homem. O filme reúne explicitamente sexo e morte. Esse tema da necrofilia causou frêmitos de admiração, mas uma parte da crítica não se deixou enganar chamando de provocação sexo-blasfematória. Excitação e repulsa envolvendo personagens que sentem prazer sexual provocando acidentes de automóvel. É um filme sobre morte, sexualidade e tecnologia. Drama erótico-automotivo. A desesperadora necessidade de erotização por meio dos acidentes automobilísticos é analisada no filme baseado na obra de J. Ballard. Tipos e situações bizarras são coerentes com o universo do cineasta canadense David Cronenberg, autor de Gêmeos, Mórbida Semelhança e Videodrome, entre outros títulos que exploram a deformação física e psicológica do ser humano. E não foi outro elemento que animou o diretor a filmar o livro do inglês James Ballard, escrito em 1973. “Crash combina erotismo e tecnologia. Os acidentes de carro funcionam como metáfora para a colisão entre a moderna tecnologia e a psique humana”, explica Cronenberg na época do lançamento.

Crash, assim como considerável parte da filmografia de David Cronenberg, é polêmico e para muitos pornográfico. Cronenberg, para quem “o cinema tem de ser complexo, profundo e textualmente denso”, disse estar sempre pronto para as reações e controvérsias porque faz parte do seu prazer em fazer filmes. Ele rejeita a denotação pornográfica explicando que “esse é um tipo de reação apenas da superfície do filme principalmente porque começa com três cenas seguidas de sexo e, ao invés de tentarem entender o que há por trás, acomodam-se com apenas o que vêem. O filme não mostra o sexo como uma solução ou satisfação e não visa de maneira alguma a excitar sexualmente o espectador”. Segundo ele, a busca do orgasmo em acidentes automobilísticos é “uma síndrome muito conhecida, um fato consumado nos círculos de psiquiatria”.

Em “Crash” impressionam as cenas em que mulheres se excitam se esfregando sobre a lataria de carros, ou os casais que só conseguem se relacionar nas ferramentas de automóveis acidentados. Algumas seqüências, de tão eróticas, beiram o pornô, mas estão respaldadas pela filosofia apocalíptica do livro homônimo de Ballard, que cria uma teoria sobre a atração do homem pelo perigo, o sexo e a tecnologia. É o mais alto grau de sofisticação alcançado pela estética crash, que explora o fascínio pela mutilação e que tem em “Encaixando Helena”, de Jennifer Lynch, um de seus exemplos.

Os freaks, os tipos de comportamento desviante, tão caros a Cronenberg, voltam com toda a força em “Crash”. Rosanna Arquete, por exemplo, interpreta Gabrielle, uma vítima de um acidente automobilístico que tem implantes e engrenagens metálicas nas pernas. Tais mecanismos mexem tanto com os hormônios da dra. Helen Ramilton (Holly Hunter), quanto os de Ballard (James Spader). Este, seduzido pelo estilo de vida dos novos conhecidos, sente-se atraído por Vaughan (Elias Koteas), um fotógrafo que gasta seu tempo reconstituindo acidentes célebres. No mundo criado por Ballard e traduzido para as telas por Cronenberg, o sexo e o corpo não têm barreiras definidas.

A atriz Holly Hunter precisou sair a público para revidar os ataques contra o filme. “As pessoas acham o filme perturbador porque elas não têm um ponto de referência a não ser a pornografia. Quando vêem um filme que tem cenas de sexo seqüenciais, como é o caso de Crash, muitas pessoas ficam confusas e começam a compará-lo com a pornografia. Pornografia é feita para despertar o desejo básico. Crash não é nada disso. É um filme sobre coisas muito mais complicadas, contadas de uma maneira extremamente irônica, na minha opinião”, analisa a atriz em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Rotulado de “filme de pornoficção futurista”, o filósofo político francês Jacques Rancière escrevendo para o Folha de S.Paulo (Caderno Mais!) afirma que a obra celebra o fim da utopia de união entre o novo homem e a máquina dos sonhos. Agraciado no Festival de Cannes com um prêmio especial “por sua originalidade, ousadia e inventividade”, o filme demonstra a incapacidade de transcendência da arte contemporânea na opinião do sociólogo e ensaísta alemão Robert Kurz.

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