31 março 2008

Corta essa

Cortar pode ser uma arte, seja na alimentação, na moda, no cinema, no esporte, música, teatro, na vida. O segredo de um bom churrasco por exemplo é a carne de primeira, de boa procedência e a forma do corte correto. Existem profissionais especializados em belas cortadas no vôlei. Para muitos o corte de cabelo na lua cheia crescente é uma prática simples e eficaz. Na moda o terno bem cortado, sob medida, é mais eficiente. Entre o corte e a costura existe toda uma técnica e habilidade que realça as qualidades da pessoa. No homem pode corrigir defeitos e na mulher, acentuar as formas.

Através de um estudo sobre o corte pode-se saber a prova do crime, a arma que provocou a morte. Um corte nas relações afetivas pode-se causar perdas e danos. O rompimento, às vezes, é a única solução. Todo tratamento psicanalítico pode sofrer um corte. No trânsito o corte significa ultrapassagem incorreta. Um bom planejamento estratégico faz previsão e orçamento, e para fazer um corte no orçamento e evitar surpresas desagradáveis, é necessário saber onde pode cortar.

No cinema muitas vezes a história é cortada ou contida graças ao corte. O diretor grego Costa Gavras comparece com seu mais recente título, O Corte. Fala de desemprego nos países ricos e desenvolvidos em tempos de globalização. Engenheiro sofre o “corte de pessoal” e dois anos depois, ainda desempregado, resolve eliminar seus concorrentes nas disputas por vagas no mercado: “por que não matar os potenciais concorrentes à mesma função?”. Filme contundente deste sistema neo-liberal.

Na música, “San Vicente”, Milton Nascimento e Fernando Brant, acordam de um sonho estranho: “Coração americano/acordei de um sonho estranho/um gosto vidro e corte/um sabor de chocolate/no corpo e na cidade/um sabor de vida e morte/coração americano/um sabor de vidro e corte//A espera da fila imensa/e o corpo negro se esqueceu/estava em San Vicente/a cidade e suas luzes/estava em San Vicente/as mulheres e os homens/coração americano/um sabor de vidro e corte//As horas não se contavam/e o que era negro anoiteceu/enquanto se esperava/eu estava em San Vicente/enquanto acontecia/eu estava em San Vicente/coração americano/um sabor de vidro e corte”.

“Você corta um verso, eu escrevo outro/você me prende vivo, eu escapo morto/de repente, olha eu de novo/perturbando a paz, exigindo o troco/vamos por aí, eu e meu cachorro/olha o verso, olha o outro/olha o velho, olha o moço chegando/que medo você tem de nós/olha aí”, é o “Pesadelo”, de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós.

“Em caso de dor ponha gelo/mude o corte de cabelo/mude o modelo/vá ao cinema, dê um sorriso/ainda que amarelo/esqueça seu cotovelo//Se amargo foi já ter sido/troque já esse vestido/troque o padrão do tecido/saia do sério, deixe os critérios/siga todos os sentidos/faça fazer sentido//A cada mil lágrimas sai um milagre//Em caso de tristeza vire a mesa/coma só a sobremesa/coma somente a cereja/jogue para cima, faça cena/cante as rimas de um poema/sofra apenas, viva apenas/sendo só fissura ou loucura/quem sabe casando cura//Ninguém sabe o que procura//Faça uma novena, reze um terço/caia fora do contexto/invente seu endereço//A cada mil lágrimas sai um milagre//Mas se apesar de banal/chorar for inevitável/sinta o gosto do sal do sal do sal/sinta o gosto do sal/gota a gota, uma a uma/duas três dez cem mil lágrimas - sinta o milagre//A cada mil lágrimas sai um milagre” é a letra “Milágrimas” de Itamar Assunção e Alice Ruiz.

Já Cazuza cantou que “O Nosso Amor a Gente Inventa”: “O teu amor é uma mentira/que a minha vaidade quer/e o meu, poesia de cego/você não pode ver//Não pode ver que no meu mundo/um troço qualquer morreu/num corte lento e profundo/entre você e eu//O nosso amor a gente inventa/pra se distrair/e quando acaba, a gente pensa/que ele nunca existiu//O nosso amor a gente inventa, inventa/o nosso amor a gente inventa, inventa//Te ver não é mais tão bacana/quanto a semana passada/você nem arrumou a cama/parece que fugiu de casa//Mas ficou tudo fora do lugar//
café sem açúcar, dança sem par/você podia ao menos me contar/uma história romântica//O nosso amor a gente inventa/pra se distrair/e quando acaba, a gente pensa/que ele nunca existiu”

No teatro, o dramaturgo Plínio Marcos fez um retrato naturalista do submundo brasileiro na peça “Navalha na Carne”. A violência das relações humanas, a situação opressora e a luta de cada personagem constroem um quadro cuja dramaticidade sobrevive ao tempo. Saindo do teatro e partindo para dança vamos observar uma dança lasciva que escandalizou a alta sociedade do início do século XX foi o corta jaca. Trata-se de uma dança rural que tem como característica os movimentos dos pés sempre muito juntos e a não flexão dos joelhos. Os movimentos de pés dão a impressão de uma faca cortando uma jaca.

Para encerrar, o corte nas artes plásticas. As obras de Amílcar de Castro (1920/2002) eram formadas por uma chapa de metal cortada ao meio e torcida em dois planos, para cima e para baixo, dialeticamente. Era um novo dinamismo de espaço. Nos anos 60 ele ampliou o alcance obtido pela orientação dos cortes e dobras.

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