28 fevereiro 2008

Páginas de sensação (1)

O romance foi um dos gêneros literários mais disseminados nas últimas décadas do século XIX no Brasil. O romance-folhetim, publicado nos rodapés dos jornais diários, desde o final da primeira metade do século XIX, havia conquistado um número considerável de leitores. Além dos originais franceses e ingleses, traduções portuguesas entraram no país para agradar àqueles que não sabiam ler no original. Entre as diversas publicações populares, duas se destacaram: os chamados “romances de sensação” (com dramas emocionantes, mortes inesperadas e crimes violentos) e os “romances para homens” (com enredos recheados de cenas de sexo, luxúria e obscenidades não aconselháveis às mulheres, vistas como pessoas frágeis, suscetíveis e facilmente influenciáveis pelos encantos da narrativa).

Na obra de Alessandra El Far (Páginas de Sensação – Literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro – 1870-1924. Companhia das Letras, 2004) descobrimos o enredo de alguns romances que prometiam cenas de luxuria, sexo e aventura. Os editores do Oitocentos caprichavam no que podiam para agradar ao leitor: diálogos obscenos, desfechos imprevisíveis e, sem dúvida alguma, cenas de tirar o fôlego.

“Se nas histórias sensacionais os heróis e heroínas, vítimas de um destino cruel, viam-se de uma hora para outra à mercê de um futuro inglório, de uma noite prematura ou de um sofrimento injusto e sem fim (...), nos livros reservados somente ao público masculino, de modo semelhante, cada aventura sexual demarcava o desmoronar de preceitos sociais, familiares e matrimoniais tão caros àquela época. Aos olhos do leitor, acostumado a uma realidade mediana por rígidas convenções sociais e pelos severos laços de obediência, parecia ser extremamente atraente inteirar-se de histórias comprometidas em explorar as brechas e fragilidades da ordem cotidiana”, escreveu Alessandra na introdução de sua obra. “Esses livros, que ate então foram ignorados por serem considerados um gênero menor, sem qualquer refinamento estético ou intelectual, revelam, nessa perspectiva, uma oportunidade ímpar de entrar num universo literário marcado por tantas diversidades e repetições”, concluiu.

Esses romances direcionados ao público masculino baseavam nos pressupostos morais em voga, mas nem sempre se mostrava eficaz, graças ao apurado espírito capitalista dos livreiros e à curiosidade das mulheres, que poderiam se apoderar de tais enredo sem qualquer livraria da cidade depois de driblar os olhos vigilantes dos pais e maridos. Segundo a pesquisadora, desde a ascensão do romance na Europa, diversos pensadores atinaram o mau exemplo dado às leitoras pelas heroínas das histórias de ficção, que, muitas vezes, em atitude ou pensamento transgrediam as regras e convenções sociais. As mulheres de carne e osso não deveriam, na opinião desses homens, ter acesso a narrativas que pudessem faze-las sonhar com afetividades e emoções distantes da sua realidade.

Mesmo com os olhos atentos dos intelectuais e autoridades mais preocupadas, os “romances para homens” proliferaram pelas ruas do Rio de Janeiro. Se ao longo dos anos 1870 a importação e produção ainda apresentavam escalas tímidas, nas décadas de 1880 e 1890, com o desenvolvimento do nosso mercado editorial, uma variedade bem maior de tecidos colocou-se à disposição do leitor carioca.

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