15 outubro 2019

Coringa é assustador, incômodo, realista


Filme difícil, cruel, perturbador, incômodo, mas muito realista. Coringa, filme dirigido por Todd Phillips é assustador. Fala sobre os excluídos, a inequalidade social e a desigualdade entre ricos e pobres, não a jornada de um homem psicótico que mata apenas por matar. Foca em um sujeito, um rosto na multidão que vive sem perceber que a maquiagem que ostenta em sua miserável carreira de palhaço de rua ou de animador de crianças em hospitais representa, na verdade, a insensatez com que ele enxerga o mundo. Subitamente, ele “descobre” que sob a pele do palhaço há poder, há sentido, e há, sobretudo, audiência. Todo o desespero de uma existência vã transforma-se em energia vital para que uma multidão troque sua personalidade por uma máscara onde a violência é um ritual que tem no Coringa sua expressão máxima, um ídolo que ousou combater o poder, a democracia, as instituições.



Coringa é um narcisista, profundamente melancólico. O filme trabalha em camadas, cada qual propondo um gatilho que fará o inseguro, torturado e frágil Arthur se transmutar no colossal vilão também conhecido como Palhaço do Crime. Em um mundo onde tantos se sentem injustiçados, o Coringa representa o achatamento do indivíduo e o triunfo de um coletivismo que não percebe que empodera justamente quem abre mão da identidade, da racionalidade para fazer da loucura, da anarquia e do caos um modo de vida.



Nada diferente de nossa realidade, onde influenciadores são seguidos cegamente, onde a polarização dá as cartas a partir de informação comandada por algoritmos, sem espaço para a reflexão, para a nuance, para o meio-tom. Coringa está por aí, em praticamente todos os lugares, à espera de um gatilho para trazer caos ao mundo. E acredite: estamos criando gatilhos para a insanidade como nunca antes na história.



Coringa trouxe um reflexo assustador. Tudo é constituído com densidade, desde a fotografia, trilha sonora até o cenário nauseabundo. A trilha sonora é outro ponto a ser observado. As músicas escolhidas para cada cena do longa compõem não apenas o ritmo do filme, mas nos conduzem pelos sentimentos do protagonista. As mudanças de tons de cada trilha foram metodicamente pensadas para causar a sensação desejada em cada cena. Além de atormentado por uma vontade incontrolável de rir, ele também possui uma inclinação para a dança.




A fotografia é também outro grande trunfo do longa. Não há hesitação em tornar Coringa um filme de aparência doentia, suja e mal iluminada. Tudo sobre a narrativa foi projetado para ser opressivo e levar o público ao ponto de vista de Fleck como a principal vítima de toda essa opressão. Coringa faz provocações reais a respeito de problemas reais e pulsantes como instabilidade mental e políticas armamentistas, sobre a falha dos serviços sociais com quem mais precisa deles, sobre os ricos satisfeitos e os pobres enraivecidos, e sobre pessoas que gritam tão alto que não se pode ouvir os próprios pensamentos. De fato, tudo está ficando mais louco.



PALHAÇO DO CRIME



Coringa é um dos maiores personagens da cultura pop. Sua personalidade mudou drasticamente no decorrer dos anos, seja por causa de censuras impostas aos quadrinhos ou para torná-lo mais sádico. Essas mudanças também são bastante representativas nas adaptações, já que o personagem já foi interpretado por quatro atores diferentes: Cesar Romero, Jack Nicholson, Heath Ledger e Jared Leto.




Ele nasceu nos quadrinhos da DC Comics em 1940 e, desde então, já invadiu os desenhos animados, filmes e seriados que envolvem o mundo de Batman. O personagem foi o primeiro vilão psicopata a ser criado. Sádico de aparência bizarra e dono da reputação de mais perigoso personagem dos quadrinhos. Para o maníaco, cada transgressão é baseada numa piada, geralmente de humor negro, quase sempre levando suas vítimas a morrerem, literalmente, de tanto rir. Ele ainda explica que o personagem foi programado para morrer nesta edição. Quando o Coringa apareceu a primeira vez, ele estava programado para morrer. Mas o editor-chefe da DC Comics, Whitney Ellsworth, enxergou a grandeza do personagem e não deixou os autores o matarem.



A criação do Coringa foi inspirada na performance do ator Conrad Veidt, em O Homem Que Ri (The Man Eho Laughs), um filme mudo de 1928. Por sua vez, o filme é uma adaptação do romance O Homem Que Ri de 1869 (há 150) do escritor francês Victor Hugo.




Na era de ouro dos quadrinhos, 1930, era muito comum um super-herói lutar com um cientista maluco, mas o Coringa foi diferente. Ele é um cara psicopata e insano. E, com a vinda da Comics-Com, na década de 50, o personagem deixou de ser psicopata e virou um palhaço do crime.



No Brasil o Coringa apareceu pela primeira vez em 1942, com o nome de Risonho e, depois, o Bobo. O criminoso só teria sua origem revelada 11 anos depois de seu surgimento, na revista Detective Comics n.168 em fevereiro de 1951.


Um comentário:

Junior Phillip disse...

Ótimo texto !