17 fevereiro 2011

Eduardo Barbosa: Uma vida em função do quadrinho nacional. Autêntico (3)

E sobre a lei que regula (va) os quadrinhos no Brasil?

EB – É um dos meus pecados. Eu fui relator dessa lei. No Conselho Nacional de Cultura, no término do Governo de João Goulart. Os desenhistas se reuniram. Pascoal Carlos Magno era o diretor do Conselho. Reuniram-se Ziraldo, Fortuna, Flávio Colin, Benício, Péricles (fez o Amigo da Onça e suicidou-se pouco depois), Gutemberg Monteiro, José Menezes, Primaggio Montovi, José Geraldo, Aylton Tomaz e mais uma porrada de desenhistas. Bolamos essa lei. Mais ou menos isso: A editora, qualquer editora, tem que ter 30 por cento das páginas de suas revistas (no caso quadrinhos) com trabalhos de artistas nacionais. Mas nós mesmos chegamos a conclusão de que essa lei é utópica pelo simples fato de que não existe produção para fazer cumprir tal exigência. Nós não temos produção nem organização para dar, pelo volume de revistas editadas. Em média, as editoras publicam de 30 a 40 títulos mensais, cada. Vamos dizer, você não pode dar 30 por cento das páginas dessas revistas desenhadas. Não tem quem faça. Não tem desenhistas para fazer o negócio, sistemático, organizado. É tudo dispersivo. Faz uma coisa e se chateia, vai fazer outra. É desorganização dos próprios artistas. Eu mesmo trouxe da Argentina, quando trabalhei na Editorial Columba Hermanos, as leis de Peron, de nacionalização das HQs. Era o ideal. Apresentei-as ao conselho. Tinha um senador por lá que se prontificou a estudá-las, deu sumiço nas mesmas e quase acabou com a historieta no Brasil. A lei existe. Agora, os desenhistas nacionais infelizmente não tem condições de produção para manter o mercado. Mauricio de Souza, atualmente é o único que pode manter uma produção xis, pois tem uma grande equipe de desenhistas. Montou um esquema de trabalho. Venceu pela persistência. Merece nosso respeito.


Qual seria a solução para os desenhistas sobreviverem somente com os quadrinhos?

EB – A solução real seria a de uma boa produção. Historietas com bom enredo, bom desenho, bom acabamento. A história do Brasil está cheia de bons temas. Bandeirantes, invasões holandesas e francesas, quilombos, guerra do Paraguai... Um desenhista bom e com um bom nível cultural poderia desenvolver dentro de quaisquer dos temas da História do Brasil, uma excelente história em quadrinhos criando um personagem de ficção que vivesse suas aventuras dentro de um tema histórico. Mas também poderia desenvolver outros temas, tendo sempre em mente que, sem um bom roteiro e um bom desenho, limpo, bem acabado, qualquer HQ está fadada ao insucesso.


Não haveria outra solução?

EB – Existe, sim, mais é uma solução utópica, irrealizável, pelo custo do empreendimento. Seria a criação de um sindicato distribuidor nos moldes dos americanos, belgas, italianos, franceses e outros que, por contrato, ou por produção ou lá o que fosse, comprasse e distribuísse as historietas brasileiras (quando digo brasileiras, refiro-me aos artistas, não aos temas....) pois tem muito desenhista bom por aí, em outras atividades.


Isso já aconteceu com você?

EB – Já. Durante mais de dez anos dediquei-me tão somente às artes gráficas e ao jornalismo, trabalhando tanto no Sul como no Norte e Nordeste, secretariando, dirigindo e reformulando jornais.


E a censura nas editoras?

EB – Todos os editores tem seu Código de Ética, que é plenamente compreensível. Não é censura. Porque o desenhista e roteirista tem que ter em mente que quadrinhos é uma coisa séria, que crianças ainda não formadas, jovens de formação vacilantes ou mesmo adultos sem nenhuma formação ou de formação deficiente, de tendências políticas as mais diversas, médicos, advogados, juizes, militantes, são os leitores dessas histórias. Então há o cuidado de não se criar climas favoráveis ou contrárias a determinadas coisas. O que já não acontece com os grandes heróis de ficção, pois a tendência é sempre engrandecer o herói e ridicularizar o vilão. Então o desenhista não pode usar determinadas expressões, não deve fazer gozações com entidades públicas ou privadas de forma violenta. Não deve misturar religião com temas idiotas. Para isso é que o Código de Ética existe. Não é censura, veja bem. Censura foi o que existiu nos Estados Unidos, nos tempos do famigerado senador MacCatthy, que obrigou aos sindicatos americanos a vestir com soutians e longos as bailarinas que apareciam nos desenhos de Flash Gordon, mandou vestir Tarzan, cortar as cenas de beijos, em todas as historietas, num desrespeito flagrante à liberdade de criação dos maiores artistas do mundo. Mas sua época e seu espírito mesquinho passaram e aí estão os personagens censurados em filmes épicos, como o Superman, o Flash Gordon que vem em novo filme, Mandrake, Principe Valente, provas mais que cabais dos desacertos do senador...


E sobre o quadrinho na Bahia?

EB – Afora umas poucas tiras, o quadrinho na Bahia não existe. Não porque não existam bons desenhistas na terra. O que não existe, como já disse antes, é persistência para se fazer um bom trabalho. A maioria das tiras publicadas nos diários de Salvador é de péssima qualidade e fazem mais mal do que que bem ao desenhista. Acho que a turma deveria primar por uma melhor qualidade, melhor acabamento, melhores temas. Até erros flagrantes de português estão sendo publicados nas legendas e balões, tomem qualquer providência. O desenhista e autor de tiras diárias ou outro tipo de historieta, tem que ter um mínimo de cultura, pois do contrário, estará trabalhando contra a classe, dando base para que os quadrados contra os quadrinhos apontem seus erros como evidências de que historietas são um mal, principalmente para os jovens. É, esse, a meu ver, o panorama do quadrinho na Bahia.


E para o ano internacional das crianças, fez alguma coisa?

EB – Desenhei uma História do Café que será distribuída nos países onde o Brasil tem representações, pelo IBC. E até o momento, desenhei três livros infantis para a Editora Brasil América: Gato na Lua, A Velha Bizunga e a Formiga Lavapé e Vanuite, a Índia que foi Anjo de Paz, livro este baseado numa história verídica, passada entre Rodin e os Índios Caingangue, e, que deverão ser lançados ainda neste mês.


E criação sua, assim, está fazendo alguma coisa?

EB – Bem, estou desenhando uma história, com episódios que vão de 30 a 52 páginas, para um sindicato francês, Socerlid. É a história de Mentalo, o Mago, um místico tibetano, em luta permanente contra outro místico, o Tantra-Negro. Suas aventuras se desenrolam desde o Tibet até a África, desde a Índia até o Egito, e por aí... Será publicada em primeira mão na França e, posteriormente, distribuída para toda a Europa. No Brasil, somente se algum editor daqui se interessar, já que estou vendendo os direitos para a Socerlid.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929.

Um comentário:

Anônimo disse...

MUITO LINDA ESTA HOMENAGEM AO MEU PAI, EDUARDO DE MOURA BARBOSA. DEPOIS DE TANTOS ANOS SEM CONTATO COM SUA FAMÍLIA NO RIO DE JANEIRO, ONDE DEIXOU ESPOSA E TRÊS FILHOS PEQUENOS PARA IR PARA SALVADOR A TRABALHO E NUNCA MAIS RETORNOU.
FIQUEI SABENO DO SEU FALECIMENTO ATRAVÉS DESSE BLOG.
SOU A FILHA CAÇULA QUE ELE ABANDONOU NO RIO DE JANEIRO, HOJE TENHO 43 ANOS DE IDADE, MEUS IRMÃOS UM COM 45 E OUTRA COM 44.
QUE BOM QUE PARA ALGUMAS PESSOAS ELE FOI UMA PESSOA BACANA, DIGNA DE HOMENAGENS.